terça-feira, 11 de março de 2014

Páginas em branco



No início da tarde desta terça-feira quente de final de verão, andando pelo centro da cidade, encantei-me com uma cena inebriante: uma menina sentada no cantinho do beiral da porta de uma loja. Loirinha, cabelos cacheados, pernas curtas, espalhadas pelo passeio. No colo, pesavam-lhe vários cadernos. No olhar, um misto de ansiedade e indiferença. Ansiedade pela espera de alguém; indiferença, pois não se importava com o grande movimento, próprio do horário de início das aulas. Os braços, cruzados por cima dos cadernos, ocultavam o uniforme. Não consegui identificá-lo. Pela aparência, devia ter uns seis anos. Não resisti ao desejo de parar por alguns minutos e observar aquela criaturinha. Sorri sozinha, reparando a inocência ali contida, sem me importar com os olhares curiosos dos passantes. Em minha mente, surgiu outra menina, com sete anos de idade, em situação extremamente idêntica.
Era o meu primeiro dia de aula. Morava longe da cidade, por isso quase não a conhecia. Minha mãe foi me levar até à escola, que ficava em plena Praça da Matriz. Não tinha nenhum material escolar. Então, ela deixou-me perto da escola, sentada no beiral da porta de uma loja – exatamente igual à cena por mim presenciada neste dia – e disse-me que iria à “Gráfica Piraquara”, a única papelaria da época, para comprar-me um caderno. Minha mente tão jovem e ingênua estimou uma distância tão grande que fiquei com medo de perder o horário de entrada. Fiquei sentada ali, completamente imóvel, observando o fluxo de crianças e pais, na gostosa correria de início de ano escolar. Gritos se misturavam com choros e conversas num vai e vem interminável. Tudo para mim era novidade. Estava muito ansiosa para entrar para a escola e entender esse universo tão esperado.
Não tardou muito e minha mãe retornou trazendo-me um caderno – sem pauta – um lápis preto e uma borracha. Era só o que cabia em seu orçamento. Meus olhos se iluminaram. Pela primeira vez eu tinha um caderno só meu. As páginas em branco multiplicaram-se em sonhos e anseio de saber. Abri uma sacolinha de plástico transparente, que havia pedido na loja, e coloquei cuidadosamente o material.
O toque da sineta anunciou o momento da entrada. Segui, levada por aquelas mãos firmes e amigas, até o portão da escola. Soltei-me devagar e dei os primeiros passos naquele novo universo. 
Luisa Garbazza
11 de março de 2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário