sábado, 28 de novembro de 2020

Tempo de renovação

 


O tempo – curioso, inexplicável, misterioso – divide-se em fases que nos permite a realização de metas, de tomadas de consciência e de recomeços. A cada final de ano, somos chamados a rever nossa caminhada para planejar a fase seguinte. Para isso, precisamos de uma dose de coragem e outra de sonhos: sonhos, para não perder a esperança de um tempo novo; coragem, para enfrentar obstáculos, derrubar barreiras e ajudar na construção de um mundo mais fraterno.

Em se tratando de rever a caminhada, este final de ano, especialmente, está sendo muito difícil. Olhamos para trás e vislumbramos 2020 com tantas dificuldades enfrentadas por todos, por causa da Covid 19. Ninguém ficou imune aos perigos e dissabores provocados por esse vírus que invadiu o planeta. Tantos mortos! Tantos doentes! Tantos sonhos desfeitos ou adiados! Tanta desilusão, desespero, solidão! E o pior, perceber que essa realidade continua. Estamos chegando ao final do ano ainda sem perspectivas. Por isso precisamos de uma dose extra de coragem. E sonhos. Muitos sonhos para não perder a esperança na vida que continua, apesar do futuro tão incerto.

Na Igreja, estamos sempre em oração, confiando nosso futuro a Deus Pai. No final de novembro, realizamos a novena em honra a Nossa Senhora das Graças. Durante nove dias, juntamente às orações próprias da novena, rezamos, às 18 horas, na Igreja Matriz, o “Terço da Esperança”. Nesses momentos de oração, invocamos Maria, mãe da esperança, que nos ensina a esperar em Deus, a despeito de qualquer dor, qualquer sofrimento. No seu silêncio, “Maria viveu a espera permeada de fé e nos ensinou que o amor, por mais rejeitado que possa ser, jamais sucumbe, e que a verdadeira revolução, que mudará este mundo, é a Revolução do amor”. Aprendamos de Maria essa fé firme e inabalável naquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida: Jesus Cristo, o Rei dos reis, o Senhor dos senhores.

 

Dose de esperança

 Sentimos viva essa esperança, quando constatamos a igreja cheia de fiéis para a reza do terço, oferecendo o sacrifício a Deus pelo bem da humanidade; quando ouvimos a prece piedosa de tantos irmãos e irmãs; quando percebemos a união dos representantes das forças vivas da paróquia para fortalecer os momentos de oração.

Sentimos ainda a esperança quando presenciamos a família reunida na igreja. Para mim, foi de imensa ternura a presença de uma mãe, com suas duas filhas, participando da novena, de terço na mão, enviando “rosas” a Maria. Uma delas, bebê ainda, não tem ciência do que acontece à sua volta, mas está sendo formada pelo exemplo da mãe; a outra, uma pequena menina, demonstra, através da vivacidade do olhar, que já entende o que está acontecendo. E vai absorvendo as palavras, os gestos, os cantos, com atenção e respeito.

Ao vivenciarmos esses pequenos flagrantes da vida, sentimos aumentar em nós a certeza de que Deus está conosco e nunca nos abandonará. Então vemos florescer, com novo vigor, a esperança. Assim abriremos nosso coração para a chegada do Menino Deus, que, neste ano, terá um significado diferente, pois esperamos também um renascimento para a humanidade. Chegaremos, pois, ao final do ano com o desejo imenso de que 2021 traga um novo sol, um novo brilho, uma vida nova para todos nós, filhos e filhas de Deus.

Luisa Garbazza

luisagarbazza@hotmail.com

Publicação do Jornal Paróquia Nossa Senhora do Bom Despacho


sábado, 14 de novembro de 2020

Conto - Prêmio Vip de Literatura 2019.

 

O dia em que não saí de casa

Madrugada. Abri os olhos assustada ao ouvir o celular do Roberto. Sonolenta, senti seus lábios tocando os meus: “Bom dia, meu amor! Feliz Aniversário de Casamento!”. Despertada abruptamente de um agitado sonho, demorei a perceber a realidade. Roberto embarcaria às sete da manhã: reuniões inadiáveis em São Paulo por dois dias. Como era nosso aniversário de casamento, eu embarcaria à tarde, já que não poderia me ausentar da empresa pela manhã. O dia ainda estava escuro quando ele se despediu e saiu, trancando portas e portões. Voltei a dormir facilmente.

Ao acordar, a luz fraca do sol, que se convidara a entrar por entre as cortinas, anunciava o dia que havia chegado. Despertei-me completamente ao sentir a água morna deslizando por meu corpo, preparando-me para o novo dia. Escolhi roupas e sapatos confortáveis, para suportar a longa jornada. Na valise, apenas o básico e um vestido novo para a noite especial. Fui à cozinha e preparei um café bem forte. Rosquinhas de nata e uma banana completaram meu desjejum. Voltei ao quarto e, em poucos minutos, pus-me pronta para sair.

Alerta por causa do horário, percebo que minha bolsa não estava no lugar. Nem minhas chaves. Procuro pela casa. Não as encontro. Nunca tive muita disciplina com meus pertences: perco, estrago, esqueço nos lugares mais improváveis. Olhei em cada canto da sala, passei para a cozinha, voltei ao quarto.  Nada. O coração disparou. Andei mais uma vez por toda a casa. Não estavam em nenhum lugar. Desespero. O tempo estava se esgotando.

Sentei-me na pontinha do sofá e, com a cabeça entre as mãos, comecei a visualizar a trajetória da véspera. Subitamente lembrei-me de que havia deixado a bolsa no escritório. Roberto havia me convidado para um drinque antes de voltarmos para casa. Feliz com a expectativa de uma noite mais animada – o que quase nunca acontecia – saí rápida e displicentemente. Deixei tudo para trás. Na volta, passamos por outro caminho e, numa atitude impensada, considerei desnecessário retornar apenas para buscar minha bolsa. Afinal, estaria de volta pela manhã.

Comecei, sem sucesso, outra maratona à procura do celular. O endereço era certo: dentro da bolsa. Desesperei-me. O notebook também ficara para trás. Não havia linha telefônica em casa. Parada, ao lado da janela, deixei-me ficar por alguns minutos. Mente vazia. Nenhuma solução aparente. Um riso nervoso brotou de meus lábios: trancada, dentro de minha própria casa, incomunicável. Situação ridícula.  Precisava agir, tomar uma atitude com urgência. Saltei a janela, olhei a minha volta. Continuei sem perspectivas. Os muros altos impediam qualquer comunicação com o resto do mundo.

Aproximei-me do portão, bati várias vezes e chamei: “Há alguém aí?... Socorro!... Preciso de um chaveiro!... Oi!...” Nenhum sinal. A alameda ficava em um bairro de pouquíssimo movimento; as residências, circundadas por elevados paredões. Ninguém ouviria. Minha causa estava perdida. Sentindo-me inútil, consegui pular a janela de volta. Não vinha nada à mente que pudesse ser feito.

De volta ao quarto, meus olhos se cruzaram com o mostrador do relógio de cabeceira. O tempo me surpreende. Já são dez horas! Mas... espere! Faltam duas horas para o avião decolar. Meia hora até o aeroporto. Pelo menos para a viagem ainda tenho chances. Saí depressa pela casa, tropeçando aqui e ali, pulei desastradamente a janela, quase arrancando a unha do pé, e voltei ao portão: “Oi! Preciso de ajuda. Alguém está me ouvindo? Por favor!”

Falava, gritava, batia no portão e não obtinha respostas. Nem o barulho do motor de algum carro vinha quebrar o silêncio. Estava completamente só. Ilhada em minha residência. Voltei ao portão mais duas vezes. Desisti após alguns minutos. Já não dava mais tempo de embarcar. Meu dia estava perdido.

Entrei outra vez em casa e preparei-me para viver o dia mais original de minha vida: estava sozinha no mundo. Sem mais o que fazer, aproveitei para relaxar, desligar-me da correria a que estava habituada. No final da tarde, driblando a solidão, abri o álbum do nosso casamento, revi as fotos, relembrei a felicidade, quase ingênua, que sentíamos naquela época, embevecidos de amor. Valorizamos essa data ao máximo, comemorando-a sempre juntos. É como se revivêssemos os anos dourados de nossa relação. Este ano seria mais especial, no entanto o destino nos pregou uma grande peça. Fechei o álbum e coloquei-o estrategicamente em cima da mesa da sala, convencida de que aquela seria a única comemoração de minhas “Bodas de Cristal”.

Luisa Garbazza

             Conto publicado na antologia "Prêmio Vip de Literatura 2019".

                                                                               

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Linhas da vida

 


Em cada página da infância, fiz-me história.

No encanto dos livros, tornei-me fantasia.

As linhas percorridas fizeram memória,

preencheram-me a vida de sonho e poesia...

 

Sonhei a vida, fui rainha, fui princesa,

vivi em castelos, na floresta ou na aldeia.

De Hogwarts ou do Condado, vem a certeza

de sentir a magia envolver-me em sua teia.

 

Seja escafandro, seja frágil, seja cálida,

tal qual borboleta liberta da crisálida,

importa voar, dar asas ao coração.

 

Nas linhas escritas, pegadas da existência,

nos espaços em branco ou nas reticências,

a vida se faz livro em real ilusão.

 

Luisa Garbazza

15-10-2020

 

Poesia escrita para o Dia do Livro (29/10) e o Dia da Poesia (31/10).

Homenagem aos meus filhos Matheus e Rafael, nascidos em outubro.

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Força na missão

 


Caros irmãos em Cristo, estamos nos aproximando do final do ano litúrgico. No último domingo deste mês, mais precisamente dia 29, inicia-se o novo ano dentro da liturgia católica: ano B, durante o qual refletiremos com o Evangelho de São Marcos. Então é tempo de rever o que fizemos em 2020 e aproveitar o “Dia de Ação de Graças” – 26 de novembro – para louvar a Deus por todos os benefícios que Ele nos concede a cada dia de nossa vida.

No decorrer deste ano – tão diferente, por causa da pandemia –, tivemos uma rotina diferente para as práticas religiosas: ficamos um período sem missas presenciais, fomos privados de nos reunir para os momentos de reflexão e oração, distanciamo-nos uns dos outros por uma força maior: evitar o contágio. E agora, mesmo voltando às missas presenciais, nem todos têm a oportunidade de participar das celebrações, por falta de espaço, já que o número precisa ser reduzido por causa do distanciamento social, ou por fazer parte do grupo de risco – pessoas mais vulneráveis aos sintomas do coronavírus.

Mesmo com todas essas dificuldades, estamos realizando as celebrações e festas propostas pela Igreja. E temos contado com o apoio dos fiéis para o desenrolar de cada celebração. Algumas vezes, até nos surpreendemos com participação das pessoas, como aconteceu na novena e na festa de Nossa Senhora Aparecida. Com a aprovação do pároco, Padre Márcio Antônio Pacheco, SDN, seguimos o roteiro proposto pelo Santuário de Aparecida. Foi uma alegria perceber a adesão dos irmãos e irmãs a cada proposta feita. Recebemos representantes das comunidades, das pastorais e movimentos e das equipes de liturgia da Matriz. O entusiasmo do povo e o carisma de nossos sacerdotes contribuíram para o bom êxito da festa.

 

“Eis-me aqui, Senhor!”

Nessa festa mariana, o que mais chamou minha atenção, no entanto, foi a presença expressiva de uma criança, o pequeno João Pedro. No dias  da novena, momentos de muita espiritualidade e demonstração de amor a Maria, tivemos dois instantes especiais, que se repetiram a cada dia: a procissão de oferta de alimentos, que seriam doados às famílias necessitadas, e a procissão de oferta das flores, um carinho de filhos e filhas à Mãe Aparecida. Em todos os dias, lá estava João Pedro, sempre acompanhado dos pais, levando algum alimento para ofertar. Depois voltava levando nas mãos algumas flores para oferecer. E não se contentava em levar e voltar para o lugar, ficava ali, em frente à imagem, analisando, olhando para ela, organizando as flores, escolhendo o melhor lugar para depositar a sua flor, que, com toda a certeza de seu coração de criança, era muito especial. Curiosamente, lançava-me um olhar alegre, como se dissesse: “Eu estou aqui. Eu trouxe flores para Maria.” Enternecida, eu devolvia o olhar, fazia um gesto, concordava com a cabeça, já que o sorriso estava escondido. Só então ele voltava para o seu lugar.

          Por isso minha gratidão a Deus é por esses momentos de alegria e paz na alma. Graças pelas pessoas que se comprometem com o trabalho de evangelização. Graças pelos pais e mães de família que dão exemplo de fé, levam seus filhos pequenos para a igreja e os incentivam a também participar. Graças pela oportunidade de ajudar aos mais necessitados. Graças por pertencermos à Igreja Católica, em uma paróquia sacramentina, e termos Maria por mãe e padroeira.

Gratidão, ó Deus, por chegarmos ao final deste ano litúrgico com o coração agradecido e a sensação do dever cumprido, dentro do possível. Gratidão, ó Deus, por ter nos conservado a vida e ter conduzido nossos passos e nossos pensamentos nesses tempos de penúria. Dai-nos, Senhor, a vossa bênção e disposição para continuarmos nos vossos caminhos. Amém.

Luisa Garbazza

luisagarbazza@hotmail.com