domingo, 26 de agosto de 2012

A vinha do Senhor


“Venha trabalhar na minha vinha.”
Esse foi o convite que Jesus fez aos discípulos quando viveu aqui na terra e continuou fazendo aos seus seguidores ao longo de todos os séculos. É esse mesmo convite que Ele nos faz hoje.
Em sua generosidade, Jesus nos deixa livres para escolher, segundo os dons que recebemos, aquilo que melhor podemos fazer para a manutenção e a expansão do seu reino de amor. Seja qual for o ofício escolhido o essencial é saber usar bem os talentos recebidos para produzirmos cada vez mais frutos.
Nós, cristãos autênticos, devemos fundamentar nossa vida no serviço ao irmão. Recebemos tanto de Deus, gratuitamente, e é na gratuidade que nos doamos para ajudar a construir o projeto do Pai. Durante todo o mês de agosto, o mês das vocações, a igreja nos apresenta várias opções de serviço e nos propõe uma reflexão que nos ajude a entender a importância de nossa participação para o bom desenvolvimento da “vinha” do Senhor.
No primeiro domingo de agosto, dia consagrado aos sacerdotes, o chamado é para as vocações sacerdotais. Rapazes que se entregam de uma maneira incondicional, seguindo os passos de Jesus, com o objetivo de pregar a unidade entre os cristãos, promover a conversão sincera e levar Cristo Eucarístico a todos os irmãos. Estão todos sob a proteção de São João Maria Vianey, o padroeiro do clero.
No segundo domingo, aproveitando o dia dos pais, celebramos a vocação para constituir família. Casais que se unem por amor e se comprometem a continuar a obra criadora de Deus. São chamados a gerar vida e a educar para Deus os filhos que Ele lhes conceder. Neste dia, inicia-se a Semana Nacional da Família, valorizada também por ser a grande formadora da sociedade. Relembrando o papa João Paulo II – “O futuro da humanidade passa pela família”.
A vocação consagrada é celebrada no terceiro domingo. Todos são chamados a trabalhar pela messe do Senhor, mas alguns são atraídos de uma forma diferente. Aceitam, abrem mão de tudo e sob a luz do Espírito Santo seguem o caminho traçado por Deus buscando a perfeição da caridade. Homens ou mulheres, leigos ou clérigos, eles prestam ajuda corporal e espiritual a tantos irmãos necessitados. É o exemplo das irmãs de caridade, franciscanos, carmelitas, frades, freiras e outros.
Os que estão à disposição para ajudar na liturgia, nas celebrações, nas comunidades, nas pastorais, no dia a dia da igreja, fazem parte do ministério leigo que a igreja celebra no quarto domingo. Também são chamados a viver como ramos, unidos à videira que é Cristo, para produzir bons frutos. Para isso têm que seguir os ensinamentos sagrados, buscando a santidade e a perfeição, dando exemplo de aceitação e pertença a Deus.
O quinto domingo é especialmente dedicado àqueles que são convidados e enviados para educar e formar na fé: os catequistas. A igreja reconhece a importância de quem tem a missão de anunciar a pessoa de Jesus e seus mandamentos; de ajudar as pessoas a perceber o chamado de Deus e encontrar a melhor maneira de ser um colaborador em sua obra; de plantar a semente da fé no coração de cada catequizando. São indispensáveis no projeto de evangelização.
Assim percebemos que há um lugar esperando por nós. A cada um, Deus concedeu um dom diferente. “Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos" (I Cor 12,4-6).” É de acordo com os dons que recebemos que ele nos chama. Cabe a nós reconhecer o chamado do Senhor, responder sim e cuidar bem da vinha semeando a palavra de Deus, o amor, a fraternidade, a fé, a esperança e a caridade. Sendo perseverantes até o final, colheremos muitos frutos, “na base de cem por um”.
Luisa Garbazza

Texto escrito para o "Informativo Igreja Viva", da Paróquia Nossa Senhora do Rosário.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Lição de solidariedade



Bom Despacho, cidade querida do Centro-Oeste mineiro, está em festa. O povo todo unido numa manifestação de fé e devoção a Nossa Senhora do Rosário: é a “Festa do Reinado”. A maior manifestação popular da cidade. Bom-despachenses de um canto a outro da cidade se misturam numa profusão de cores e alegria com o objetivo maior de venerar Nossa Senhora.
A preparação é remota, começando com o levantamento do “Mastro de avisos”, ainda no mês de julho. Antes do início da festa, há um intenso crescimento espiritual, dando oportunidade para cada congada se aproximar e prestar a devida homenagem a Nossa Senhora.
Nos dias da festa, a cidade inteira participa. Os dançadores se espalham pelas ruas levando encantamento aos olhares de todos. São cinco dias de magia, de serviço voluntário, de promessas pagas, de confraternização. Tudo na gratuidade.
No domingo, a cidade se transforma. No meio da tarde, que fica curta para tantos acontecimentos, começa a aglomeração na Praça do Rosário. Dali sai a procissão em direção à Praça da Matriz, onde acontece a cerimônia de troca de coroas. É durante esse trajeto que a festa acontece em sua plenitude. Um extenso cortejo de congadas, de príncipes e princesas, de reis e rainhas, ladeados por uma enorme corrente formada pelo povo que, embevecidos, prestigiam nossos “heróis”.  
 Impressiona a diversidade geral existente nos detalhes dos cortes de reinado. Atraem os olhos, as cores que se multiplicam nos tecidos das roupas, nas estampas variadas, nos bordados delicados. Os ouvidos mais apurados se encantam com os sons dos tambores que marcam o ritmo de cada corte. Cada um com sua cadência, com seus movimentos, com sua coreografia. Só a alegria é comum. Essa não pode faltar. Esse ingrediente é primordial para o sucesso da festa.
Durante a caminhada, nos intervalos entre os cortes, vão se mesclando os representantes das paróquias e os andores com os respectivos padroeiros. Por último, mas com destaque especial, um carro com Nossa Senhora do Rosário. Lá está ela, altaneira, virando em todas as direções, abençoando a cidade.
Ao chegar à Praça da Matriz, quando todos os cortes e santos já haviam passado, a multidão se espalha pelas ruas no entorno da praça. Naquele momento, uma visão muda completamente o foco dos acontecimentos. Parado em um canto, um carro com uma caixa d’água em cima e uma tubulação especial com quatro torneiras. Acontece ali uma grande lição de solidariedade: uma família reunida distribuindo copos e servindo água para todos que por ali passam. Pai, mãe, filhos, nora, juntos, envolvidos naquele gesto sublime de saciar a sede do semelhante. Misturam-se entre as pessoas, oferecem o copo e direcionam-nas para as torneiras, onde se servem à vontade. Causa emoção ver a naturalidade e a alegria com que o fazem. Incansavelmente.
Com essa manifestação de amor ao próximo termina a festa neste domingo. Em outros lugares a movimentação continua. Mas aqui, depois desse acontecimento, nada há a acrescentar, a não ser a certeza de que Deus se faz presente. A certeza de que é esse modelo de convivência que Deus sonhou para seu povo. A alegria em saber que o mandamento “Amai-vos uns aos outros” acontece no meio de nós.
Luisa Garbazza
20 de agosto de 2012


Publicada no "Informativo Igreja Viva"
Paróquia Nossa Senhora do 
Rosário
Agosto de 2013

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

“Missionário que veio de longe”



Na história da humanidade, é grande o número de pessoas que atenderam ao chamado de Deus. Ouviram a voz divina e a colocaram em prática mesmo sem entender seus objetivos. São exemplos de pertença e entrega total ao Criador de todas as coisas. É Abraão preparando o sacrifício de seu filho Isaac; Salomão com sua sede de sabedoria; Maria com seu sim – “Eis aqui a serva do Senhor!”; os discípulos que largaram tudo para propagar a boa-nova de Jesus; São Paulo, que se converteu em plena perseguição aos cristãos; e tantos outros que entregaram até a própria vida para que os ensinamentos divinos prevalecessem entre os homens.
Essa missão de semear a luz divina entre os povos e propor um modelo de vida mais humano e fraterno fez e ainda faz parte da vida de muitas pessoas que se entregam parcial ou integralmente a serviço do reino de Deus aqui na terra. "Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me". (Mateus – 19,21) Para muitos, esse é o único caminho capaz de preencher as lacunas causadas pelo anseio de Deus.
Foi esse o exemplo que nos deixou o saudoso padre Júlio Maria De Lombaerde, “missionário que veio de longe” e fundou, entre tantos outros, a Congregação dos Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora, cujo carisma, nós bom-despachenses, conhecemos tão bem.
Júlio Emílio – seu nome de batismo – nasceu na aldeia de Beveren, na Bélgica, dia 7 de janeiro de 1878. Era filho de José de Lombaerde e Sidônia Steelant. Antes de concluir seus estudos, sentiu o chamado de Jesus: “Vem e segue-me.” Foi atraído pela vida missionária e serviu a Deus na África, na Holanda, França e Brasil. Escolheu a vida religiosa consagrada e com muito entusiasmo viveu em comunidade obedecendo aos votos de pobreza, obediência e castidade.
Sacerdote do ‘‘Amor Sacrifício’’, padre Júlio Maria, nome que ele mesmo adotou por amor a Maria, foi transferido para o Brasil em 1912. Não conhecia o Brasil nem a língua portuguesa, mas obedeceu confiando inteiramente em Deus e em Nossa Senhora e não mediu esforços para bem cumprir sua grande missão de anunciar o Evangelho de Cristo através de Maria e da Eucaristia.
Começou seu trabalho missionário em Macapá (1913) com um povo carente em todos os aspectos. Não bastava evangelizar. Ele, que viera “salvar almas”, não só rezava muito, celebrava missa e dava catecismo para crianças, jovens e adultos, mas também cuidava da saúde, da instrução e da alimentação daquele povo tornando-se amigo de todos. “Desse modo, ele era o médico, o farmacêutico, o mestre-escola, o amigo e pai dos pobres, o encanto das criancinhas.”
Ali fundou a Congregação das Filhas do Coração Imaculado de Maria – irmãs que cuidavam da educação e formação geral das crianças abandonadas. A urgência daquele povo sofrido falou mais alto, porém a ousadia de criar uma congregação sem aprovação prévia da Santa Sé lhe causou enorme sofrimento. E quanto mais padecia, mais crescia a adoração a Jesus sacramentado, o espírito de oração e o amor ao sacrifício.
Do norte do Brasil, seguiu para o sul de Minas para concretizar um sonho: fundar uma Congregação masculina de padres e missionários. Conseguiu, após muita luta e paciência, concluir seus planos, em Manhumirim – MG, aonde chegou dia 24 de março de 1928. Deixou como herança na cidade a Congregação dos Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora – que ainda em seu tempo se expandiu para outras terras, inclusive em Bom Despacho; a Congregação das Irmãs Sacramentinas de Nossa Senhora; o jornal O Lutador; o Patronato Santa Maria (para acolhimento dos órfãos); o Seminário Apostólico; e outros.
Foram trinta e quatro anos de trabalho missionário em nosso país. A semente foi lançada. O semeador partiu para junto do Pai. Faleceu em um trágico acidente de carro, dia 24 de dezembro de 1944, pronunciando as palavras: “Meu Deus, meu Deus! Nossa Senhora do Carmo! Meu Deus!” Por tudo que viveu, fez e ensinou, “É bem pouco pra ti sepultura / Necessário se faz um altar”. “O Pe. Júlio Maria De Lombaerde, foi, sem dúvidas, um santo que marcou o seu tempo. Foi um homem profundamente entusiasmado com o que fazia. Aspirava com todas as forças do seu coração salvar as pessoas para Cristo, atraindo-as aos pés de Jesus Eucarístico pela materna intercessão de Maria Santíssima, a quem chamava e ensinava a chamar de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento.”
Hoje, cem anos depois de sua chegada ao Brasil, data que está sendo comemorada com o devido merecimento, o Ideal Julimariano ainda contagia muitos cristãos. Neste “momento de glória”, relembramos e reavivamos a chama deixada por esse missionário arrebatado pela Eucaristia e enlevado pela Virgem Maria. Assim, pela coragem em transpor continentes e barreiras; pela determinação em difundir o amor a Jesus e Maria; pelo trabalho incansável servindo de exemplo a ser seguido; pela fé na providência divina; pela vida de sacrifícios, de pobreza, desapego e humildade; e por seu coração tão generoso, “o nome do Padre Júlio Maria, há de ser, para sempre, relembrado na história”.  

Luisa Garbazza
Julho de 2012 
Crônica originalmente publicada no jornal "Paróquia" 
 Paróquia N. S. Do Bom Despacho

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Renascer sempre


Durante o mês de agosto, a natureza se reserva.  Simplesmente adormece para restaurar suas forças e aguardar o momento de despertar mais admirável e encantadora. Uma aridez seca domina a paisagem dos campos, das praças, dos jardins, insinuando uma completa desolação. Muitas espécies passam pela poda tradicional – retirada de pequenos galhos e de partes já sem vida – para se fortalecerem, vestirem seus trajes de gala e se apresentarem com mais graça.
Amante da natureza que sou, o jardim em frente a casa é imprescindível. Nesta manhã, logo que o sol nos presenteou com seus primeiros raios, adiantei-me na prazerosa tarefa de regar as plantas. A grama, que mantém seu manto verde a despeito da falta de chuva e umidade, recebe a água fresca e agradece com sua aparência vívida. Observo que cada planta reage de forma diferente durante o sono da mãe. Quando chega a vez da roseira, recém podada para reabastecer as forças, procuro sinais de vida nova. Nada. É preciso dar tempo ao tempo. Mas, vejam só! Lá embaixo, bem próximo à grama, em um galhinho tão fino que não foi cortado por um descuido a vida começa a renascer. O primeiro broto da roseira. Nasceu naquele galho mais frágil, imperceptível aos olhares menos minuciosos. Está ali, mostrando sua capacidade e sua vontade de voltar à vida.
Em minha mente, naquele instante, brotou outro pensamento. A natureza é mãe e ali está ela nos ensinando mais uma lição. Na vida também é assim. Por vezes costumamos descartar certas pessoas em nossos convívios sociais – trabalho, escola, igreja, comunidade – por entender que não são inteligentes, que não gostam de ajudar ou que sejam frágeis demais. Ficam isoladas, sentindo-se inúteis ou incapazes, esquecidas em um canto qualquer. Porém, quando surge uma oportunidade, somos surpreendidos constatando sua competência. São pessoas reservadas, aparentemente alheias, mas que possuem habilidade e disposição para ajudar a todos.
Outras vezes, essa lição se ajusta a nós mesmos, ou a alguns momentos de nossa vida. Quantas vezes as vicissitudes da vida nos tira o brilho dos olhos e uma névoa cinzenta e fria cobre-nos o caminho nos impedindo de subir os degraus da existência. Quantas vezes o sorriso que exibimos se restringe aos lábios, escondendo um coração apertado, sem saber como reagir, que caminho escolher, que solução poderia haver para nossas dificuldades. Sentimo-nos como um galho podado, buscando em vão recuperar nossas forças e esperando pela primavera que nunca chega. Então, sem nos darmos conta, a luz surge bem longe e vai se aproximando timidamente, vai dissipando o nevoeiro, clareando-nos os pensamentos e ajudando-nos a reencontrar o caminho certo. Assim como aquele primeiro brotinho da roseira, vencemos os obstáculos, retornamos à subida degrau por degrau e conseguimos voltar a sorrir por inteiro.        
Podemos ter certeza de que, “Quando entrar setembro e a boa nova andar nos campos”, haveremos de encontrar a roseira toda florida, revestida de tamanha beleza que prende nossos olhares embevecidos. Por muito tempo vai nos brindar com formosos botões que assim amanhecem e vão se abrindo lentamente sob os raios e o calor do sol.
Assim também na vida. Quando conseguimos driblar os entraves que nos impedem de progredir, sentimo-nos preparados para viver com mais intensidade.  Voltamos a acreditar no sonho de viver a vida em plenitude, pois, como disse o poeta: "Viver por um projeto, uma causa, uma missão, um ideal ou mesmo uma utopia é o que imprime sentido à vida." 

Luisa Garbazza
 08 de agosto de 2012