terça-feira, 23 de março de 2021

Sem limites do amor

 

Zuma preparava a casa para receber o filho. Nem mesmo as notícias estarrecedoras que abarrotavam os noticiários, aterrorizando a população, foram suficientes para demovê-la da ideia.

Com o rosto coberto por uma máscara, o rapaz chegou, em uma tarde fria de inverno, quando os últimos raios do sol saltavam do horizonte, avermelhando o céu. A mãe abriu um leve sorriso, olhou-o com ternura, aproximou-se e o abraçou sem pressa.

 

Novo dia. A máscara foi esquecida. Sobraram amor e cuidado, cama limpa e comida boa, carinho e atenção. Passou o tempo, passaram as dores, passou a doença.

Veio a despedida...

 

Era uma manhã de sol, quando Benedito recebeu o telefonema. Em poucas horas, estava de volta à casa da mãe: vazia, triste, silenciosa. Avisado pelos vizinhos, correu ao hospital.

Sem permissão para entrar, ficou aguardando notícias. A espera, porém, foi breve. Em minutos, viu o corpo passar em um caixão lacrado. Acompanhou-o, taciturno, sem a chance de contemplar o rosto da mãe uma última vez.

Luisa Garbazza

Conto selecionado para a antologia da Unifebe

Publicação em E-book:

https://www.unifebe.edu.br/site/wp-content/uploads/contos-da-quarentena-ebook.pdf



segunda-feira, 15 de março de 2021

Carta aberta ao cidadão brasileiro

                                

            Prezados compatriotas

Quem nos diria que, logo no início da terceira década do segundo milênio, em plena era tecnológica, estaríamos passando por uma situação semelhante a esta? Fosse filme, com certeza seria classificado como “Ficção científica”. Quando essa “guerra” começou, como seres humanos imperfeitos que somos, ficamos todos procurando um bode expiatório, alguém em que pudesse ser colocada a culpa. Com o passar do tempo, no entanto, descobriu-se de que nada adiantaria encontrar suspeitos, ou culpados. O vírus era real e viera para ficar. Isso era um fato. Culpados ou não, estávamos todos no mesmo barco, carentes dos mesmos cuidados. E todos – TODOS – foram alertados do perigo iminente e de tudo que era esperado de cada um para garantir a própria sobrevivência e o bem-estar do país.  Um ano se passou e, olhando para traz, percebe-se que pouco progredimos.

Após as primeiras constatações, começou a corrida para entender o vírus, por um antídoto, um coquetel milagroso, a descoberta de uma vacina eficaz. Paralelo a isso, fomos aprendendo normas indispensáveis para evitar a disseminação desse vírus. Medidas extremas de higiene pessoal, desinfecção do espaço físico, distanciamento e isolamento social foram exigidas em todos os ambientes. O uso de álcool em gel passou a ser passaporte para a entrada em todos os ambientes, desde à padaria da esquina, igrejas, repartições públicas até a residência de todos os cidadãos de bem.

Muitos “cidadãos de bem”, entretanto, parecem não se importar com o que está acontecendo. O governo faz a sua parte morosamente. A vacina foi descoberta. Já está sendo ministrada, mas parece-me que está sendo fabricada e transportada passo a passo. Sabemos que é preciso cautela e fraternidade. Ao contrário, estamos percebendo jogo de culpados, cada um querendo colocar a culpa no outro, e falta de compromisso com as próprias responsabilidades.

O Brasil, assim como o restante do planeta, pede socorro. A equipe médica pede socorro. As pessoas indefesas pedem socorro. E a pandemia se alastra de forma alarmante. A cada dia aumenta o número daqueles que pagam o preço da negligência de outrem: uma, cem, mil, duas mil mortes em um só dia. É surreal. Inimaginável. Estarrecedor.

O que falta para percebermos a real situação em que vivemos? O que falta para os brasileiros, ou a humanidade como um todo, entenderem que a vida está em nossas mãos? Não só a nossa, mas a de todos com os quais convivemos. Precisamos nos responsabilizar pela vida de nossos pais, de nossos filhos, das pessoas vulneráveis, dos médicos, dos nossos vizinhos. Precisamos valorizar nossa própria vida, dom de Deus. Eu preciso me responsabilizar pelo outro. Você também precisa. Ninguém vencerá essa guerra sozinho, mas sozinho eu posso evitar que muitos pereçam.

O que estamos esperando para agir? Esperando que nosso país entre na “onda preta” e que haja muito pouco a ser feito? Não permitamos que outros sejam contaminados e percam a vida por um ato mal pensado, por um descuido nosso ou por achar que a vida é curta e precisamos aproveitar todas as oportunidades de diversão. Cuidado! Nesse caminho, a vida pode ser menor do que você espera.

Juntos podemos nos confortar e amenizar a pandemia, evitando assim que tantos concidadãos percam a esperança e a vida.

 Atenciosamente,

Luisa Garbazza  

 

Bom Despacho, 15 de março de 2021


domingo, 7 de março de 2021

Face de mulher

 



Na face da mulher,

o sorriso de alegria,

a carga de cada dia,

que transporta com maestria,

porque pode, porque sabe, porque quer.

 

Na face da mulher,

amor puro e verdadeiro

de quem se doa por inteiro,

seja por quem se encantou primeiro,

pelos pais, pelos filhos ou por quem vier.

 

Na face da mulher,

as marcas da beleza real,

da força, da garra, do essencial,

da magia de quem é especial

e transborda doçura e amor onde estiver.

 

Na face da mulher,

revolta ou paciência

por ser alvo da violência

de quem perdeu a decência,

tratando-a como uma coisa qualquer.

 

Na face da mulher,

do medo a cara estampada,

por ser desprezada, amordaçada,

maltratada, ameaçada,

anulada, sem uma chance sequer.

 

Na face da mulher,

vontade de se sentir querida,

festejar, abraçar a vida,

ter sua decisão acolhida,

seja bem-me-quer, seja malmequer.

 

Luisa Garbazza

8 de março de 2021

Dia Internacional da Mulher


sexta-feira, 5 de março de 2021

Gestos de amor

 



Meus queridos leitores, irmãos e irmãs em Cristo, estamos vivendo o tempo da Quaresma; um tempo propício para o recolhimento, para uma busca de nós mesmos, para uma maior aproximação com Deus, nosso Pai. A igreja se despe das flores e cores e se veste de roxo para simbolizar a sobriedade do tempo litúrgico. E nós também precisamos entrar nessa sintonia. Em comunhão com a Igreja, somos convidados a aproveitar esse momento para intensificar a realização de três práticas essenciais para nossa vida espiritual: jejum, caridade e oração. O jejum e a oração são ações individuais que nos ajudam a pensar a vida e a nos conectar com o Salvador; a caridade sempre envolve o outro, que pode ser um amigo, um desconhecido ou alguém da própria família. Durante a Celebração Eucarística, também somos convidados a praticar a caridade: é o momento de ofertar a Deus um pouco do que recebemos, para a manutenção da sua Igreja.

Outro dia, Missa das dezenove horas, na Igreja Matriz, saí, no momento do ofertório, para ajudar a coletar as ofertas. É uma função gratificante em que, por muitas vezes, recebemos de volta um olhar significativo, como se dissesse: “Vê!? Eu estou ajudando”. Na impossibilidade do sorriso, por causa da máscara, um leve aceno de cabeça traduz meu agradecimento. E sigo meu caminho. Próximo à última porta lateral, do lado de fora, por falta de lugares, alguns jovens. Quando me aproximei, vieram todos e, um a um, depositaram suas ofertas. Fiz o aceno, gesto limitado pelas condições e pelo momento. O que eu queria mesmo, porém, era demonstrar minha gratidão e falar-lhes a importância daquele gesto. É muito bom perceber a consciência jovem de trazer a oferta, de contribuir para o cuidado com as coisas de Deus. Depois desse dia, passei a observar: são muitos os jovens que não se contentam em aparecer diante do Senhor de mãos vazias.

 

Oferta do coração

Esse acontecimento fez-me lembrar de uma homilia do Padre Matheus Garbazza, SDN, direto da Paróquia Santa Cruz, em Alta Floresta – MT, que ouvi em outubro de 2020. Dizia ele que o ofertório é um momento de espiritualidade fortíssima, que, às vezes, deixamos passar, distraídos pelo canto e pelo silêncio do sacerdote.  No entanto precisamos participar e ofertar a Deus três coisas. A primeira, em comunhão com o celebrante, o ofertório do pão e do vinho, que se tornarão o Corpo e o Sangue de Jesus. A segunda, a oferta material, que cada um faz segundo as suas possibilidades. De modo especial, o dízimo, quando é o dia, ou a oferta espontânea que fazemos. É a hora de fazer a colheita, ofertar os frutos a Deus. E precisa ser acompanhada de espiritualidade, pois, assim como o pão e o vinho serão transformados no Corpo e Sangue de Jesus, nossa oferta será transformada em bem para a evangelização da comunidade. Precisa ser oferecida com essa intenção. A terceira, ainda mais importante que a segunda, é oferecermos a nossa vida. Enquanto o padre levanta a patena e o cálice, nós colocamos ali nossa vida, os frutos que colhemos durante a semana. Vamos dizer a Jesus o que pudemos fazer de bom, mas também nossos problemas, nossos limites, nossos defeitos. Nessa intenção, quando vemos, o ofertório fica pequeno, pois há muito a oferecer. E tudo isso para que nossa vida, entregue no altar de Deus, também seja transformada na vida de nosso Senhor. E encerrou a homilia pedindo para prestarmos atenção na oração final, que nos disse: “Possamos, ó Deus onipotente, saciar-nos do Pão celeste e inebriarmos do Vinho sagrado, para que sejamos transformados naquele que agora recebemos. Por Cristo Nosso Senhor”. Assim, ouvindo o Padre Matheus, intensifiquei minha espiritualidade e minha intenção de ofertar a Deus essas três coisas.

Nessa Quaresma, e sempre, possamos meditar sobre essas palavras e colocá-las em prática. Tenhamos o coração voltado para o outro, para suas necessidades, seus anseios, sua falta de oportunidade e, sempre que possível, estender nossa mão para acolher, para ajudar, para confortar. Também possamos sempre ter algo de material para ofertar ao Pai no momento do ofertório. E seja nossa vida pautada pelo amor, para chegarmos perante Deus e oferecer a Ele nossa vida, tudo que vivemos, sentimos e sofremos durante a semana.

luisagarbazza@hotmail.com

Luisa Garbazza

Jornal Paróquia

Março de 2021