segunda-feira, 28 de julho de 2014

A paz que não vejo




Não tenho hábito de assistir jornais na TV. Entretanto, como meu esposo está sempre assistindo, não há como ficar totalmente alheia aos acontecimentos do dia a dia. Vez por outra os olhos param fitando a tela e os ouvidos captam esse ou aquele fato.
Hoje, o fato foi triste e arrasou-me: a imagem da guerra. Um ambiente todo enfumaçado, sem cor, quase coberto pela poeira e pelos rastros das armas bélicas, tão devastadoras. O céu escurecido pela negritude da fumaça mostrava apenas o clarão de mais destruição. A luz dos mísseis rasgava o espaço e anunciava mais desventuras. Difícil prever o estrago que faria, mas fácil imaginar seu destino e as consequências que seriam causadas no momento e lugar de sua colisão.
Quando a densidade foi se dissipando e deixou a visão penetrar naquele espaço, foi ainda mais deprimente. Corpos sem vida sendo retirados de maneira improvisada; as pessoas, seres humanos como nós, que deveriam ser tratados com os mesmos direitos, correndo aqui e ali, sem segurança, sem lugar para se esconder daqueles ataques catastróficos provocados por mãos semelhantes às nossas. No meio da multidão, um homem desesperado, sem saber o que fazer, soltava gritos ininteligíveis e angustiados. O rosto desfigurado pela dor e marcado pelo sangue das feridas constrangia. O olhar de agonia que as lentes captaram era comovente. Impossível ficar impassível a tamanho sofrimento. Por alguns segundos, aquela imagem tomou conta da tela e atraiu meu olhar. Extática em frente à TV, quase hipnotizada, observando tão cruel aquarela, não controlei os sentimentos, que me dominaram a mente, pesaram-me o semblante e mexeu com meu coração.
Triste é a imagem da guerra. Mais triste ainda, saber que tudo foi planejado e executado por mentes e mãos humanas. O homem, poderoso, egoísta, ambicioso, desumano, de um lado, comandando tudo. Do outro lado, outro homem, pobre, indefeso, indigente. Deixa-se ficar ali, sem um lugar seguro, sem ter quem o defenda literalmente, sem saber aonde ir. Tudo suporta: a indiferença, a pobreza, a solidão, a crueldade humana. Tolera atrocidades de quem deveria tratá-lo de igual para igual. Traz no rosto as marcas de uma vida miserável, sobrepujada pelos “donos do mundo”
Triste é sentir-se impotente diante do poderio dos que detêm o poder. É mirar a guerra, desejar ardentemente a paz e sentir as mãos atadas, a voz silenciada, a mente bloqueada. É imaginar a dureza dos corações que projetam a guerra. Triste é ver o mundo dividido, a pobreza reinando em tantas partes do mundo, o poder e as riquezas nas mãos de poucos que ainda vão a campo desejando sempre mais e mais. Cobiça desmedida, desamor, exclusivismo.
Resta manter a esperança de que a humanidade possa ter outro destino. Esperança em dias melhores, quando a pessoa valerá unicamente pelo que traz em seu coração, nunca pelo que carrega no bolso ou por sua conta bancária. Esperança de ver mais sorrisos que lágrimas, mais mãos dadas que braços em riste, prontos para atacar. E que os céus sejam cobertos de vez em quando, no entanto, apenas pela bruma que desce, alva e misteriosa, provocando-nos momentos de magia e mistério. Esperança em um mundo iluminado pela alegria e pela solidariedade humana em toda sua extensão.

Luisa Garbazza
28 de julho de 2014.
 

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Filhas de Maria




            A devoção mariana, sempre presente desde a formação do município através de Nossa Senhora do Bom Despacho, tornou-se mais vivida e disseminada com a chegada dos Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora. Impulsionados pelo entusiasmo e pelo exemplo do fundador, Padre Júlio Maria de Lombaerde, sdn, que sentia imenso amor por Maria, vários movimentos, em alguns tempos mais evidentes, em outros mais indefinidos, enaltecem a grande Mãe de Deus, Maria Santíssima. Na década de 1940, o ideal mariano era aqui representado pelas “Filhas de Maria”, sob os cuidados do Padre João Hellfs, sdn.
            Pelas palavras de minha mãe, Maria da Conceição Garbazza, que, na época, morava com as irmãs, na Santa Casa, e participava do grupo, soube que o movimento “Filhas de Maria” era destinado a moças solteiras que desejavam viver de acordo com os valores marianos: pureza de coração, de corpo e de espírito, obediência e temor a Deus.
Dona Maria conta que as “filhas de Maria” deviam se comportar e vestir-se como tal: apresentavam-se todas de vestido branco, abaixo do joelho, com mangas pouco acima do cotovelo; os sapatos eram brancos e as meias, também brancas, bem compridas. Todo primeiro domingo do mês, reuniam-se em uma sala, na Santa Casa, e na Capela, com a presença do Padre João. Nas poucas vezes que não pôde ir, enviou o Padre Henrique Hesse, sdn. As reuniões constavam de conversas – em que o padre ensinava como as moças deveriam se comportar – catequese, leitura e partilha do Evangelho. Os momentos mais sublimes eram passados em adoração ao Santíssimo Sacramento, na capela da Santa Casa. Aos sábados, rumavam-se para a Igreja Matriz, onde participavam da reza do ofício.
Quando demonstrava interesse em participar, a menina era acolhida no grupo como pretendente, recebia uma fita verde e com ela ficava até decidir se queria mesmo ser uma “filha de Maria”. Durante esse tempo, seu comportamento era observado para ver se estava de acordo com o instruído. No tempo certo, em uma cerimônia belíssima e muito aguardada, a menina fazia os votos: vestia-se toda de branco, prometia seguir o que aprendera e entregava o coração à Maria. A alegria se completava ao receber uma fita azul-celeste, com a medalha de Nossa Senhora das Graças, e o Manual das Filhas de Maria.
Segundo Maria José Maia, que também viveu esse momento em sua adolescência, “a fita era linda, a medalha de Nossa Senhora era de prata, grande e bela”. Nossas duas Marias contam que o Padre João também tinha a fita e usava-a em todas as reuniões. Ele estava sempre presente e cobrava das meninas o jeito de viver e de vestir-se. “Manga do vestido das Filhas de Maria são quatro dedos acima do cotovelo.” dizia sempre.
Por muito tempo, o movimento cumpriu seu objetivo: transmitir às meninas os valores cristãos necessários para uma vida santa, seguindo os passos de Maria. O forte era a oração e a prática da caridade. As moças iam ficando. Quando começavam a namorar, eram aconselhadas a viver o namoro santo. No dia do casamento, uma demonstração de alegria e companheirismo: as outras filhas de Maria iam todas à cerimônia com a roupa tradicional – branca – e a fita azul no pescoço. Depois do casamento, a moça seguia outro caminho. Já não fazia mais parte do movimento. Mas, com certeza, Maria a acompanhava pela vida toda – não só na fita, mas no coração – em cada passo de sua caminhada.
Hoje, tanto Dona Maria da Conceição, quanto Maria José ainda guardam no coração lembranças daquela época de inocência e alegria que preencheram tão bem a adolescência de ambas. É emocionante nelas o brilho nos olhos, ao transmitir essas lembranças que, por causa da distância no tempo, vêm surgindo aos poucos, com calma, fazendo brotar dos lábios um sorriso de saudade e de gratidão por terem vivido tudo isso.
 Luisa Garbazza
 junho de 2014

Homenagem à minha mãe, Maria da Conceição Garbazza, que, por toda a vida, observou os preceitos aprendidos com o Padre João e foi para o céu, encontrar-se com sua mãe, Maria Santíssima, alguns dias após ter compartilhado esses relatos. 

Publicação do Jornal "PARÓQUIA" N. S. do Bom Despacho
julho de 2014