domingo, 20 de agosto de 2017

Epístola póstuma

Neiva
Um mês se passou desde que você se foi para junto do Pai.
Às vezes, parece que foi ontem. Outras vezes, parece que nem aconteceu.
Sua presença continua misturada à minha.
O coração ainda chora. A alma ainda grita.
O peito não comporta a dor da sua ausência.
Hoje, mexendo em uns guardados, deparei-me com este cartão: um mimo seu, depois que me casei. Senti, então, a necessidade de escrever-lhe esta carta.
Como você me disse aquela vez: “Aqui em casa, um vazio muito grande tomou o seu lugar”.
A diferença – sofrida, dolorosa, dantesca – é que você, todas as vezes em que sentia saudades, ia a minha casa; e eu, à sua. Eu não tenho onde procurar por você.
Como é difícil perceber a dura realidade: você não vai mais me visitar; entrar em minha casa com sua fala alta que enchia o ambiente; ligar, querendo tirar alguma dúvida em suas aulas de Português; enviar seus textos – cuidadosamente escritos – para eu corrigir; enviar suas mensagens repletas de palavras de carinho... Não terei mais notícias suas.
A realidade – dura e cruel – está batendo à minha porta, mas eu não quero ouvir, não quero abrir.
Lembro-me do último abraço que lhe dei – demorado e sincero. – Como imaginar que seria o último? 
A alma chora de tristeza. Uma sensação de culpa se apodera da minha mente e domina meus sentimentos. Uma sensação dolente de que eu poderia ter feito algo mais por você. Não está sendo fácil viver depois que você partiu.
Mas a vontade divina é soberana, e nada podemos fazer para mudá-la.
Sei que preciso aceitar o fato de não poder mais olhar para você, saber se precisa de ajuda, dar-lhe um abraço.
Não sei se e quando vou me acostumar com sua ausência, (Acostumar? Nunca. Suportar talvez.)
Não sei se saberei assimilar a ideia de que sua ausência é definitiva nesta vida.
A saída é confiar em Deus. Saber do seu amor de Pai. Ter a certeza de que você foi recebida em seu reino. E esperar que um dia nos encontremos outra vez.
Então poderei lhe falar do amor que senti por você nos seus quase cinquenta anos de vida e nutri durante todos os anos em que você não estava aqui para ouvir minhas palavras, sentir minha presença, perdoar meus erros, enfim, caminharmos juntas, como tantas vezes fizemos..
Fique em paz, minha irmã.
Luisa Garbazza
Bom Despacho, 20 de agosto de 2017


Amanhã, 21 de agosto, faz 1 mês que Deus a chamou pelo nome.

domingo, 13 de agosto de 2017

Para sempre PAI


Ser PAI é ter toda a clareza
de que para a sua alegria
um ou mais filhos quer gerar.
É ter da vontade certeza,
escolher com sabedoria
aquela com quem se casar.

Ser pai é agir com fineza,
querer  filho com euforia,
para ver, cuidar e amar.
É acompanhar com firmeza
todos passos de sua cria
e coisas boas ensinar.

Ser pai é perceber beleza,
é conviver em harmonia
e com o filho caminhar
É ter tamanha ardileza,
agir com fé e maestria
para o filho em si confiar.

Ser pai é mostrar a grandeza
de alguém que seu lar contagia
e ensina seu filho a amar.
É ser do filho a fortaleza,
sem esquecer a poesia
e a doçura em seu olhar.
                                                                    Luisa Garbazza



Pai é para sempre. O filho sente a presença do pai pela vida toda: nos braços que o acolhe, no chinelo em um canto da casa, que ele quer experimentar, no chapéu pendurado na parede, nas mãos fortes que o conduz, no abraço, nos puxões de orelha, nos conselhos, no caminhar lado a lado, nas lágrimas de despedida, no retrato fixado na parede da casa e na parede do coração, nas lembranças eternas.
Parabéns a vocês, pais para sempre.

Luisa Garbazza

13/08/2017

Mensagem lida no final da Missa das 9h, 
na Igreja Matriz de N. Sra. do Bom Despacho.

sábado, 5 de agosto de 2017

Inevitáveis reveses

Mesmo que tenha atingido certo grau de maturidade, também em questão de fé, o ser humano nunca está plenamente preparado para enfrentar os reveses que a vida se encarrega de ir colocando a sua frente. A tristeza e a impotência sempre nos surpreendem nesses momentos, principalmente quando temos que enfrentar a morte de um ente querido. Sabemos que morrer é preparar-se para a ressurreição, mas, mesmo assim, a dor da perda é profunda e irreparável. Hoje passo, mais uma vez, por essa triste experiência. Estou em prantos pela perda de minha irmã Neiva.
Neiva nos deixou uma valorosa lição de perseverança, de luta, de fé diante da vida e de aceitação das dificuldades que nos são impostas. Por quase trinta anos, lutou heroicamente contra várias doenças que quiseram aniquilá-la. Tantas e tantas vezes, contrariando qualquer diagnóstico, renasceu das cinzas, tal qual a fênix que volta à vida. Quando pensávamos que a batalha estava perdida, ela ganhava novo ânimo e recomeçava a caminhada, sem se deixar abater. A despeito de seus dramas existenciais, Neiva foi uma criatura forte e decidida. Uma guerreira. E vencedora, não tenho dúvida.
Por mais que tenha sofrido, essa filha de Deus não se esmoreceu na fé. Em sua caminhada, ajudou muita gente com seus conhecimentos. Foi professora por longos anos, primeiro em escolas, depois trabalhando com aulas particulares. Tinha sempre um discurso de incentivo para seus alunos, que muitas vezes tinham-na como confidente. Passou apertos com alunos rebeldes, indisciplinados e nunca os recusou, pelo contrário, fazia o que estava ao seu alcance para ajudá-los. Com a facilidade que possuía de ler e organizar ideias, fez um sem número de monografias, trabalhos acadêmicos e outros escritos. Por muitas vezes, foi enganada e não recebeu pelo trabalho prestado. Mas não tinha coragem de abandonar esses alunos e repetiu, mais de uma vez, que não guardava rancor de nenhum devedor.
Como escritora, ela escreveu artigos para o Jornal Fique Sabendo e lançou o livro de poesias “Um sonho de liberdade”. Na paróquia, colaborou, por muitos anos, escrevendo artigos para o Jornal Paróquia Nossa Senhora do Bom Despacho. Sempre artigos inteligentes, bem escritos, que causavam admiração aos leitores. Também participou, por vários anos, da Equipe de Liturgia da Matriz. Mostrava-se sempre solícita quando chamada para atuar nas celebrações.
Como filha, coube-lhe o legado de cuidar, mais de perto, de nossa mãe, por ocasião de sua doença. Nós, os outros filhos, ajudávamos em muitos momentos, mas o cuidado maior foi dispensado por ela. Depois que nossa mãe faleceu, em 2014, ela ficou sem chão. Ainda realizou muitas coisas, no entanto nunca mais foi a mesma. De vez em quando, confessava que ainda não havia superado a perda. Mas ficou firme, mostrando a força que sempre teve, até o último instante, sem afastar seu pensamento de Deus. Pedia a Ele que lhe desse força na caminhada. Confiava sempre, também, na intercessão poderosa e querida de Maria, nossa “Mãe do Céu”.
Em 2017, a doença foi se agravando. Ela enfraqueceu demais. Estava internada desde domingo, 16 de julho, ao ser acometida por uma forte pneumonia. Hoje, 21 de julho, fiquei o dia todo com ela no hospital. Passou mal pela manhã, mas depois voltou a si e estava falando e entendendo bem, apesar da falta de ar. Pediu-me que rezasse por ela, pois não estava tendo forças para rezar. Rezei, invoquei a presença de Jesus Misericordioso. Com a voz difícil, por causa do oxigênio, ela me disse: “É a Esse que eu recorro todos os dias”. À tardezinha, despedi-me rezando com ela uma “Ave-Maria”. Mal sabia eu que seria nossa última conversa. Quando cheguei a casa, recebi a tão triste notícia.
Neiva nasceu em 1967. Em setembro, completaria 50 anos. Entretanto Deus quis que comemorasse o seu “meio século” lá no céu. Resta-nos pedir a Deus que a receba em sua glória. Saudades? Vamos sentir. Muitas. Uma imensidade. No entanto, acima de tudo, aprendamos com ela a ter coragem e persistência, a viver com fé e a ter confiança em Deus, mesmo nos momentos – como este – que se torna tão difícil dizer “Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu”.

Luisa Garbazza
Publicação de agosto
Jornal A Paróquia N. Sra. do Bom Despacho