segunda-feira, 8 de junho de 2020

De repente, o silêncio...



Como a vida é engraçada! Ou sem graça, ou confusa, ou complicada, conforme o senso do leitor. Vivemos o tempo da pressa. As pessoas não conseguem sentir o momento presente em sua intensidade. Mal principiou o ano, já há quem comece a contagem regressiva para o próximo: “10 de 365 dias”. O mês de maio ainda nem passou da metade, e já vejo nas redes sociais: “Diga oi quem tem alguém importante que faz aniversário junho”. O sol ainda brilha no céu, e já recebemos mensagens de boa noite. Todos estamos esperando o ato seguinte, atentos ao que pode acontecer. Ou melhor, ao que gostaríamos que acontecesse.
Nessa corrida para o futuro, esquecemo-nos de viver o agora: apreciar melhor o alimento que temos na mesa; prestar mais atenção a quem está ao nosso lado; contemplar a beleza da natureza: os cinquenta tons de verde, o céu azul, as flores, os passarinhos, as borboletas... Tudo isso fica em segundo plano, ou vivido na superficialidade. Importa o que vem. “A vida é uma só. Precisamos aproveitar.” Importa preencher cada minuto da vida. Fazer mil coisas ao mesmo tempo e não ter tempo para nada. E chegar ao fim do dia com a sensação de incompletude, ansiosos pelo dia seguinte: oportunidade de realizar outras coisas mais.
Na ânsia pelo começo de mais um dia, mais um mês, na corrida para vencermos mais um ano, fomos surpreendidos pela urgência de “dar um tempo”. Governantes decretam estado de quarentena. Sem aviso prévio, fomos convidados a nos recolhermos. Literalmente, a ficarmos em casa. Fomos aconselhados a ficar isolados do resto do mundo físico. Isso para evitar o avanço da propagação de um vírus que provocou uma pandemia mundial. Para alguns, significa estar completamente sozinhos, sem família, sem amigos, sem internet, numa profunda solidão. Esse convite torna-se ordem quando se tem mais de sessenta anos, ou quando se tem uma doença crônica, pois, em ambos os casos, o vírus é mais agressivo. Por imposição, também fico em casa, cumprindo a bendita quarentena.
De repente, o silêncio...
Já não ouço o barulho do interfone anunciando a chegada dos meus alunos ou de outra visita qualquer. Nem os gritos e a cantoria dos soldados do Exército – no Tiro de Guerra – bem ao fundo da minha residência. O telefone também ficou mudo. Não escuto, ao longe, o som da sirene anunciando o início das aulas na escola do bairro. A manhã termina sem vestígio do bando de estudantes que, como maritacas, enchiam as calçadas na volta para casa. Nada. Parece que até os passarinhos estão mais silenciosos. Como se a quarentena fosse também para a voz, silencio. E vejo o passar do tempo...
Nesse marasmo em que se tornaram os dias, fico imaginando o futuro. – Sim, pois ficou ainda mais difícil viver o momento presente. Os pensamentos vão todos para o dia em que tudo se resolver e pudermos sair de casa, abraçar um amigo, visitar um parente. – Então imagino um futuro diferente...
Bom seria se todos ficássemos de quarentena. Se todos fôssemos convidados a esse tempo de reclusão, de reflexão,  a esses dias de necessário recolhimento, a essas horas de benéfica meditação.
Bom seria se passassem os dias e tivéssemos a chance de recomeçar. Se o tempo voltasse ao início e nos oferecesse uma nova oportunidade.  Assim, abriríamos um dia as janelas e veríamos um mundo novo. Tocados pela alegria do novo gênesis, sairíamos de casa e abraçaríamos a vida de um jeito novo.


Luisa Garbazza
Crônica do Jornal Paróquia N. Sra. do Bom Despacho
Junho de 2020