domingo, 25 de julho de 2021

Mais que avós (Republicação)

 


            O dia 26 de julho, dia de Santa Ana e São Joaquim, avós de Jesus, conforme consta na literatura, é dedicado aos avós, de maneira generalizada. Mas, nessa sociedade contemporânea que valoriza ao extremo o culto ao corpo, e ninguém quer envelhecer, é comum vermos avós de quarenta anos, ou até menos, que nem gostam dessa denominação. Por isso costumo pensar nesses santos representando os “velhinhos”.

As imagens que temos de Santa Ana e São Joaquim nos mostram um idoso casal, numa época em que os anciãos eram respeitados pela experiência de vida, pela sabedoria acumulada e transmitida de geração em geração. Os dois já estavam com idade avançada e ainda não tinham filhos, o que era motivo de vergonha entre os judeus. Mas a esperança e a fé em Deus foram mais fortes. Eles não desistiram e, apesar da idade, santa Ana ficou grávida de Maria. Benditos sejam!

Hoje a relação da sociedade com os idosos é bem diferente. Muitos não são cuidados como necessitam, nem amados, nem sequer ouvidos. Com uma valorização abaixo do merecimento, porém dignos de admiração, eles ficam ali, quietos, às vezes até “invisíveis”, com uma aura de nostalgia que a uns enleva e a outros incomoda. Por tudo que viveram e construíram, mesmo que em mínima escala, são merecedores de respeito e veneração. E precisam ser valorizados pelos que nos prestaram. Está tudo ali, assinalado no semblante, na fala cansada, na lentidão, no modo de andar e de agir.

O rosto estampa as marcas de toda uma vida. Em cada ruga, a vida se incumbiu de registrar as dificuldades vividas, os desafios vencidos ou contornados, os conflitos superados. No olhar, por vezes tão distante, pesado – fechando-se durante alguma conversa –, percebe-se a sabedoria adquirida dia a dia durante todos os anos da existência. Bem no fundo dos olhos, é visível a riqueza de pensamentos, de aprendizados e de vivência, disponíveis a qualquer um que se dispuser a ouvi-los. Mesmo que a voz não ajude muito, eles gostam de transmitir seus feitos. Ah!... As histórias dos velhos! Não há quem não aprenda com elas.

Os cabelos, grisalhos ou brancos, são sinais de muita peleja. Em cada fio de cabelo branco está gravada uma lembrança. Todas estão ali acumuladas. Aquelas que se traduziram em plena felicidade e ainda provocam risos e saudades imensas; as que machucaram profundamente e que de vez em quando voltam em forma de lágrimas silenciosas; e as que nem merecem ser lembradas, por serem insignificantes ou por terem sido superadas.

E as mãos? Qualquer olhar consegue perceber a debilidade em que se encontram. Hoje tão pouco requisitadas vão perdendo os movimentos. A pele fina, envelhecida, manchada; alguns dedos encurvados... São traços deixados pelo trabalho – às vezes duro, sob o sol escaldante –, pelas ações solidárias, pela luta na terra. Mas essas mãos, apesar de enfraquecidas, ainda querem ser úteis e estão sempre prontas para abençoar e se unir em oração. É a maneira mais concreta de permanecer em sintonia com Deus.

Aqueles pés fatigados, que andam pouco ou nem isso conseguem, carregam o peso da caminhada, da construção da própria vida, da luta pela sobrevivência, da formação da família, do apoio aos filhos e tantas outras trilhas paralelas que a vida foi lhes reservando.

Por tudo isso, eles precisam ser tratados com amor e ternura. Mais que leis estampadas em um estatuto, muitas vezes sem serem cumpridas, precisamos de práticas de amorização e respeito por essas pessoas que já fizeram tanto por nós e que já escreveram sua página na história da humanidade. Gostaria de que não fosse utopia o desejo de ver nossos idosos ocuparem um lugar privilegiado na sociedade, nas famílias e no coração das pessoas. Assim seria mais fácil conservar alguns valores que fazem tanta diferença na construção de um mundo mais justo, humano e cristão.

Luisa Garbazza 

Publicada originalmente em junho de 2012 

no Jornal Paróquia Nossa Senhora do Bom Despacho

Republicada por ocasião do Primeiro dia internacional dos avós e da pessoa  idosa (25-07-2021), instituído pelo Papa Francisco.

 

sexta-feira, 9 de julho de 2021

Sentimentos (Bodas de Crizo)

 

Na cadência da vida,

em que meus olhos se viram nos seus,

floresceram luz sonho e alegria

no brilho advindo dos olhos meus.

 

A vida tornou-se esperança:

na chegada, riso e euforia,

aconchego e segurança;

no encontro, sinestesia.

 

Da vida a roda suave

na qual feliz nos embalamos,

do destino tem a chave:

de dois, em quatro nos tornamos.

 

Nos caminhos que trilhamos,

de risos e lágrimas inevitáveis,

os planos e tudo com que sonhamos:

sentimentos duradouros e inefáveis.

 

Trinta e três anos de convivência

 fragilidade e fortaleza –,

de tudo em nós ficou a essência:

o amor, a maior certeza.

Luisa Garbazza

9 de julho de 2021

 


sábado, 3 de julho de 2021

Cristãos leigos e leigas

 


Prezados amigos, irmãos em Cristo, em sintonia com todos os cristãos, acompanhamos, no início do mês de junho, a 39ª Assembleia Geral Ordinária (AGO) do organismo do Povo de Deus na Igreja no Brasil. Cerca de 209 cristãos leigos e leigas de todo o Brasil, organizados pelo Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB), participaram, de modo remoto, desse importante evento, que teve como tema: “Cristãos leigos e leigas em missão: respondendo aos novos desafios”.

O objetivo do encontro é incentivar a todos nós, cristãos leigos e leigas, a abraçar nossa missão na Igreja. Precisamos ter consciência de que também somos responsáveis – através do nosso sim, da doação do nosso trabalho, da nossa disponibilidade – por concretizar o apelo do Papa Francisco e ser presença no meio em que vivemos, ser Igreja “em saída”. Somos todos irmãos e irmãs em Cristo e, por isso, precisamos nos unir na luta de cada dia e viver a unidade na mesma fé e no mesmo Deus. É preciso caminhar, ter esperança em dias mais amenos, sem tanta desigualdade, lutando pela vida: nossa, de cada irmão e do planeta, nossa casa comum.

Pensando como paróquia, há muito a ser feito. Há espaço para todos, cada um com seus dons e carismas. Há espaço nas pastorais, grupos, serviços e movimentos, que existem única e exclusivamente para servir: a Deus e ao irmão. Para isso é preciso estar disponível, de corpo e alma, e cultivar uma vida de oração, alimento indispensável para a saúde espiritual.

 

Leigos a serviço

Na Paróquia Nossa Senhora do Bom Despacho, temos muitos leigos que reservam um pouco do seu tempo como doação para as coisas de Deus. Durante o ano todo, há muito trabalho a ser feito, mas, em algumas datas, o trabalho é mais intenso, como a Semana Santa, por exemplo. Tanto que algumas pessoas pensam que somos remunerados, conforme já fui abordada a respeito. Não sabem que a maior recompensa no trabalho gratuito é a graça de Deus.

Nesta crônica, no entanto, gostaria de abordar o trabalho da “Equipe do Cenáculo”, terminologia ensinada pelo Padre Antônio Otaviano. São as pessoas que cuidam do espaço celebrativo. Quem chega à igreja para as celebrações, não imagina o quão minucioso e cansativo é o trabalho feito nos bastidores. São muitas horas de doação, na alegria e na gratuidade, para ornar o espaço de acordo com o tema litúrgico. Além de embelezar a igreja, esses “arranjos” servem também para estimular nossa reflexão.

Muitas pessoas, em sua maioria mulheres, já passaram por essa equipe. Na lembrança, vêm-me as saudosas Elisa Mesquita e a Bárbara Silva. Entre nós, sem atuação, por causa da Covid, dona Aurora, dona Lúcia, Telma e outras. A dona Maria José, hoje já quase “aposentada”, dedicou a vida inteira a essa ocupação. Faz parte efetiva da história da paróquia.

Atualmente, à frente da “Equipe do Cenáculo”, temos a Adélia e a Maria Marta. Duas incansáveis na arte de ornar o espaço celebrativo. Quase todos os dias, lá estão elas, com suas habilidosas mãos, limpando, passando as toalhas dos altares, organizando flores, montando altares temáticos, oferecendo-nos belos motivos para nossos momentos de reflexão. São muitas horas de dedicação, de trabalho voluntário oferecido a Deus em prol de seus filhos e filhas. E tudo feito com esmero, com alegria e muito amor.

Tomara que o esforço dos leigos e leigas que se sentiram chamados a ocupar seus lugares nessa grande família, filhos de Deus, sirva de exemplo e motivação para outras pessoas experimentarem a satisfação de se pôr a serviço do outro, como o próprio Cristo nos ensinou: “Eu vim para servir e não para ser servido”. Assim podemos, todos nós, ir além e “sair para as veredas e encruzilhadas, como discípulos missionários”.

Luisa Garbazza

Julho de 2021

Publicação do jornal "Paróquia N. Sra. do Bom Despacho".



quinta-feira, 1 de julho de 2021

Harmonia

 Eu era um ser só.

Nas curvas do caminho, meus olhos encontraram outros olhos, e ali me vi inteira.

As mãos se entrelaçaram, e nos tornamos um.

Éramos dois seres, que, aos poucos, se sentiram sós, de alguma maneira.

E, nas voltas da vida, nós nos dividimos: uma, duas vezes.

Quatro seres unidos em um só amor, vivendo em um só compasso.

Era boa a convivência, grande o aprendizado, forte a essência.

Na cadência da vida, perseguidos pelo tempo, distanciamos os passos.

Os passos dos filhos marcando o próprio compasso.

À mercê do tempo, vivemos à espera do encontro.

...

E eis que chega o tempo certo da volta, do reencontro, da harmonia dos passos.

Filhos em casa! A família se abre à arte da convivência.

A casa cheia, o som das vozes que preenchem o espaço...

O calor do Bom dia!!! Há de ser de muita alegria!

A ternura do abraço, o amor demonstrado no beijo...

O tempo na cozinha – socorro à mãe de “asa” quebrada.

A prosa animada em torno à mesa: os planos feitos, os desfeitos, os sonhos...

O ajuntamento aconchegante no sofá para ver algo na televisão.

As intermináveis brincadeiras com a cachorrinha Kila – mascote da família.

Falas altas, o som das risadas, as lembranças dos tempos de então...

Cabeça da mãe, que encontra abrigo no ombro do filho.

A cabeça do filho no colo da mãe, enchendo a alma de emoção...

As noites longas, em que ninguém quer se recolher primeiro para não perder a conversa...

Tempo de prece ao Criador.

...

À mercê do tempo, chega o momento da despedida:

O abraço, que se faz laço e não quer ser desfeito...

As últimas falas – quase inúteis – para reafirmar o valor da presença.

O beijo...

O pedido de bênçãos...

O desejo de dias amenos, felizes...

O coração se preparando para as inevitáveis ausências.

A alma em Deus, que rege da vida a cadência. 

                                               Luisa Garbazza

1º de julho de 2021