sábado, 28 de fevereiro de 2015

Recortes do tempo


 O tempo, inexplicável e piedoso, (Sábio, talvez!) bate à minha porta. Manhã de sábado. Última de fevereiro. Despertei com ares de nostalgia – dessas que vêm subitamente e nos pegam desprevenidos. Algumas lembranças se responsabilizam pelo semblante sério.
Sem esperar, ou preparar-me para tal, deparo-me com um desenho: recordação de outras épocas. Não sei precisar o período em que, alheia a tudo, me vi absorta contemplando a folha de papel. Sei que o tempo roubou-me a realidade e transportou-me através do vácuo do passado...
Era o meu desenho favorito. De onde surgiu a inspiração? Não há lembranças. Também não me lembro de quantas vezes o reproduzi: no caderno de desenho; em uma folha qualquer; nas últimas páginas dos cadernos... Por muitos anos, foi parte de mim. Servia para extravasar qualquer sentimento, desde uma imensa alegria até a mais triste decepção. O coração pedia ajuda, a mente flutuava, a mão iniciava a “obra de arte”.
Volto a olhar a folha desenhada. O que será que motivou esse desenho em particular? Ficou perdido, esquecido em algum lugar e apareceu quando teve vontade. Não há datas ou outro registro qualquer...
Mas há o caminho: longa subida até o horizonte. Caminho da vida. Muito dele já foi percorrido. Muita coisa vivida e conquistada; outras, perdidas pelas curvas do caminho. E os sonhos da menina? Quem sabe?
Há as pedras. Aqui e ali, lá estão elas. Obstáculos inevitáveis que inibem nossos passos. Faz-nos parar, desviar, passar por cima, ou, algumas vezes, mudar o rumo do destino. Foram muitos os que encontrei! Alguns, medonhos, que roubaram-me a paz e quase me expulsaram da pista. Outros mais leves. Alguns quase imperceptíveis. Sobrevivi a todos eles, mas não sem algumas marcas que teimam em lembrar-me o caminho percorrido.
Há as flores, que alegram o caminho. Alento para os olhos. Oasis para a alma. Insuficientes, é certo. Por que tão poucas? Creio que vi, cultivei e colhi muito mais nas voltas dos anos que vivi.
E há o horizonte, – Bem longe! – a esperar-me. O sol é o destino? Ou apenas o início?  Talvez seja o momento de agora: o início de um novo caminhar. Dali se descortina outro horizonte. E o sol? Há de esperar-me ao final de mais um ciclo dessa estrada – bem ou mal traçada – que é a vida.
Luisa Garbazza
28 de fevereiro de 2015

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Linha tênue



Misteriosa linha, fina e tênue,
divide e alinha, separa e contrapõe.
A linha da lua nova, no céu bem colocada
apresenta-se faceira depois da escuridão.
A doce linha do tempo, ocaso ou aurora,
aparta o claro da noite, devolve ao dia o clarão.

A delicada linha da vida, em fases bem dividida
Assusta, surpreende, escorre sem avisar.
Os anos passam ligeiros, o corpo sofre e sucumbe
ante a ruína anunciada da vida tão limitada.

Mas coisa alguma interfere na casta linha da alma:
segue o rumo trigueira, faz-nos sentir inteiros
soltos e libertos, qualquer a idade somada.
O corpo pesa, mas a alma é leve.
A alma é sempre livre: quer espaço para voar.
Brincar com o tempo, viver e reviver o passado,
encantar-se com o presente, sonhar o futuro:
sempre, e sempre, e sempre.
Luisa Garbazza
21 de fevereiro de 2015

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

2015 – O Ano da Paz



Início de um novo ano é sinônimo de expectativas. Sempre fazemos novos planos, esperamos viver com um pouco mais de dignidade e que coisas boas aconteçam em nossa vida. No entanto vemos a violência se alastrar com tamanha intensidade que nos sentimos angustiados e inseguros quanto ao dia de amanhã. Por causa dessa onda crescente de violência, a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – decidiu promover o Ano da Paz, objetivando mobilizar o Brasil para a cultura da paz e da não violência. Do dia 30 de novembro de 2014 até o Natal de 2015, vivenciaremos esse Ano da Paz. E teremos a oportunidade de nos engajarmos nessa luta.
Refletindo sobre essa questão, aproveitemos o tema escolhido pelo Papa Francisco para o dia 1º de janeiro de 2015, o 48º Dia Mundial da Paz: “Não mais escravos, mais irmãos”. Sabemos que, mesmo com toda a evolução humana e a era tecnológica e globalizada em que vivemos, a escravidão ainda é um dos motivos da violência que rouba a paz de tantas famílias. Muitos são os que, privados de sua liberdade, têm que trabalhar desumanamente para sobreviver. São escravizados para sustentar o luxo e o egoísmo de outras pessoas.
Por outro lado, são inúmeras as situações em que ficamos expostos à violência: homicídios, principalmente em consequência do tráfico de drogas; acidentes de trânsito, que ceifam a vida de tantos inocentes; agressões, injustiças e corrupção; opressão política e econômica; conflito nos lares; e outros. Em decorrência disso tudo, aumenta o número dos que morrem, vítimas de atos violentos, ou perdem o direito de viver com dignidade.
Muitas vezes é fácil perceber e apontar as causas da violência. De forma indireta, ela é causada pelo egoísmo e pela ganância que escraviza. Como nos diz o Papa Francisco: “Enquanto não se eliminarem a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível desarraigar a violência. Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há de provocar a explosão.”.
Do mesmo modo, não é difícil saber qual o melhor caminho para uma sociedade mais pacífica: precisamos respeitar o direito à vida, que todos possuem; ser generosos e não medir esforços para ajudar o outro; lutar pela preservação da integridade física, psicológica, social e espiritual de que todos necessitamos; respeitar as diferenças e valorizar o que o outro pode oferecer, mesmo que seja apenas uma moedinha, como fez a viúva citada na Bíblia por Jesus.
Assim, temos muito a fazer, durante este ano e sempre, para que o Brasil seja um lugar melhor de se viver. Sabemos que não damos conta sozinhos. Será necessária a participação de todos, principalmente dos políticos e dos que detêm alguma forma de poder. Não é uma tarefa simples, muito menos fácil, mas é uma tarefa possível, se todos tiverem o mesmo objetivo.
Portanto, não desanimemos. Entremos para valer, de corpo e alma, nessa corrente pacificadora. Sejamos fiéis ao nosso Batismo e respondamos ao apelo da Igreja nos empenhando pela construção da paz em todos os lugares. Como primeiro passo, estejamos em oração. Entremos em sintonia com o Espírito Santo e peçamos a Jesus Cristo, o Príncipe da Paz, que nos ensine os caminhos para essa sociedade tão sonhada.
Luisa Garbazza

Publicação do "Informativo Igreja Viva" 
 Paróquia Nossa Senhora do Rosário. 
Fevereiro de 2015

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Seja feita a vossa vontade



A vida, constituída de pequenos instantes que se somam dia após dia, às vezes nos reserva momentos de extrema inquietude. Alguns, conseguimos modificá-los, ou contorná-los; outros, por mais difíceis que sejam, temos que vivê-los, mesmo contra nossa vontade. Para nós, cristãos, são os desígnios de Deus, nem sempre compreendidos. Não é fácil, mas precisamos fazer valer a máxima do “Seja feita a vossa vontade.”. Foi algo assim que vivi nos últimos dias, quando vi meus planos mudarem da noite para o dia:
A Congregação dos Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora está vivendo tempos áureos: o Processo de Beatificação do Servo de Deus Padre Júlio Maria De Lombaerde. Padre Júlio Maria foi o fundador da congregação sacramentina. Sacerdote que veio da Bélgica, homem de fé, devoto de Nossa Senhora, exemplo de força e de santidade. Por amor a Deus e aos irmãos, cruzou mares e fronteiras para levar o Evangelho a um grande número de pessoas. Deixou como herança um amor especial por Maria e a devoção a Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento. Mais que isso, foi um desbravador: trabalhou, construiu, educou, cuidou, catequizou e ainda nos deixou muitos ensinamentos por intermédio de seus livros. Merece a glória dos altares.
Para a abertura oficial desse processo, foi programado, em meados de 2014, o Simpósio Julimariano, marcado para os dias 22 a 26 de janeiro de 2015. No início de novembro de 2014, o simpósio foi divulgado na internet. Desde então, fui acompanhando as publicações e vendo crescer em mim a vontade de participar do evento. Mais ainda, quando vi o programa e soube que meu filho, Matheus Garbazza, seminarista sacramentino, seria o comunicador da oficina sobre “Pe. Júlio Maria De Lombaerde e a vida paroquial”. Tratei de fazer minha inscrição e escolhi justamente essa oficina para eu participar.
Continuei seguindo as atualizações sobre o simpósio: fotos, convites para as conferências, oficinas sobre o pensamento e a espiritualidade do Servo de Deus, mesa redonda, com nosso pároco, Padre José Raimundo da Costa, SDN, para lançamento da revista ‘O Lutador’ e a abertura oficial do processo de beatificação.
Foi com o pensamento voltado para esse evento que vivi os últimos dias de 2014 e os primeiros dias de janeiro. A ansiedade aumentava a cada dia. Na terça-feira, dia 20, vi meu filho partir rumo a Manhumirim. Despediu-se com um até lá. Estava pronta para a viagem. Tinha certeza de que seria muito proveitosa. Tudo combinado e organizado. Entretanto meus sonhos se desmoronaram quando uma forte indisposição se apossou de mim, na quarta-feira, dia 21. E foi piorando. À noite, percebi que não poderia viajar. Mesmo assim, não perdi as esperanças. Rezei e pedi a Deus que me concedesse melhoras. Mas não foi essa a vontade de Deus. Ao acordar, no dia seguinte, constatei que não daria conta. Senti-me muito decepcionada: tristeza por ver os planos se dissiparem; coração de mãe apertado por não estar lá e participar com meu filho; desapontamento por não estar presente nesse momento ímpar da congregação dos Missionários Sacramentinos. Somente ao me levantar e cruzar o olhar com a estampa do Sagrado Coração de Jesus é que percebi o que havia acontecido: essa era a minha vontade; esses, os meus planos. Os de Deus foram outros. Não consigo entender, mas posso aceitar. Acompanhei o evento pela internet. Não deixou nada a desejar. Iniciou-se a jornada pela beatificação do Padre Júlio Maria. Há muito trabalho ainda pela frente. Agora serão outros os caminhos a serem percorridos para se conseguir esse objetivo.
São acontecimentos como esse que nos colocam em nosso devido lugar. Sabemos que, em nossa passagem pela terra, temos a responsabilidade de fazer o melhor que pudermos para bem vivermos com nós mesmos e com nossos irmãos. No entanto, quando as coisas fugirem de nosso controle, deixemos que Deus nos oriente. Não tenhamos vergonha de pedir ajuda e de abandonarmo-nos nas mãos divinas. E quando rezarmos, entendamos que Deus está à frente de tudo e digamos com propriedade e confiança: “Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu.”
Luisa Garbazza

Crônica publicada no jornal "PARÓQUIA" - fevereiro de 2015