Nós bom-despachenses presenciamos, em meados de agosto, uma singular
demonstração de fé do nosso povo: a festa do Reinado, realizado em honra a
Nossa Senhora do Rosário. Ano após ano, com o mesmo entusiasmo, os fiéis
devotos se organizam para cantar, dançar e louvar a Mãe de Deus em uma festa
que congrega todas as paróquias em uma só devoção.
Quanta gente envolvida! A preparação remota – novena envolvendo todos os
cortes – prima pela espiritualidade e predispõe a alma do povo para sentir o
amor de Maria. Os cinco dias da festa transforma nosso dia a dia. Ninguém fica
imune à presença dos dançadores pelas ruas da cidade.
No meio da tarde de domingo, a procissão segue piedosa, alegre, sem
pressa. Uma grande multidão – povo e dançadores – acompanha as imagens de São
Benedito, Santa Efigênia e Nossa Senhora do Rosário. Mais próximo à Praça da
Matriz, um enorme cordão humano se forma, ladeando as ruas, para apreciar a dança
e aguardar a passagem de Nossa Senhora.
Cada detalhe da festa chama a atenção, atrai o olhar, desperta a emoção:
as bandeiras que anunciam a chegada dos reinadeiros; as mãos que tocam os
instrumentos; os tambores que marcam a cadência de cada corte; os pés que
acompanham a música, em um vai-e-vem ágil e contínuo; as crianças pequenas que
ensaiam os primeiros passos de dança; a presença da Virgem Maria sob o título
de Nossa Senhora do Rosário.
Tudo é lindo demais! Não me canso de admirar, mesmo depois de tantos
anos! Neste ano, no entanto, um acontecimento novo chamou minha atenção. Algo
diferente, inusitado: no meio daquela eclosão de pessoas, de cores que se
misturam e se harmonizam, ao som de instrumentos que se concertam formando uma
grande orquestra, uma cena se forma, um flagrante desses que mexem com o
coração e provocam deslumbramento e emoções. Divisei, ao longe, ao se aproximar
um dos cortes, um dançador que vinha com os braços dobrados, rente ao tronco. A
camisa escura, com bolinhas, deixava as vistas embaralhadas. Quando se
aproximou, percebi a realidade, terna e bela, que se constituía tão próximo a
mim: aquele dançador (aos meus olhos) era um pai, e aqueles braços dobrados
agasalhavam, ao longo do peito, o filhinho. – Tão pequenino! Penso que não
tinha mais que um mês de existência. – Uma das mãos sustentava, delicadamente,
a cabecinha; a outra, o corpinho da criança. O bebezinho também estava vestindo
a farda do corte. De longe, as cores se misturavam. Só mesmo de pertinho era
possível visualizar bem o quadro que se formava. Fiquei extasiada. Em poucos
instantes, o pai seguiu, orgulhosamente, seu caminho. Os pés acompanhavam a
cadência da dança; as mãos davam aconchego ao filho que, em segurança, parecia
dormir tranquilamente.
Que delicadeza! Agradeci a Deus por meus olhos terem contemplado aquele
momento. Estamos precisando muito de instantes assim: em nossa vida, em nossas
famílias, em nossas comunidades... Precisamos de mais amor e aconchego entre
pais e filhos, mais amizade entre irmãos, tios, primos, avós. Necessitamos de
mais fraternidade entre os que participam da mesma comunidade, da mesma
paróquia, entre os que moram na mesma cidade. Carecemos de gente que reza, que
canta, que sai do comodismo e oferece os dons a serviço do reino de Deus. Gente
determinada e agradecida, que segue sua vocação. Como aquele pai que, para
louvar Nossa Senhora, sustentou o filho nos braços e mostrou ao mundo que é um
pai presente, um pai que ama, que louva, que vive pelo filho.
Luisa Garbazza
Publicação de setembro no jornal "Paróquia Nossa Senhora do Bom Despacho"