sábado, 30 de setembro de 2017

Nova manhã


O sol insistente castiga, instiga, fustiga.
Em seu monopólio, seca e resseca a terra:
água evapora; plantas sofrem, lutam,  fenecem.
Pesado torna-se o ar;
difícil torna-se a vida.
Toda a criação padece.

Mas o dia hoje veio diferente:
trouxe a alegria, as nuvens, a chuva, a vida.
Manhã de chuva, depois da seca, é presente.
Esquece-se o passado árido, deseja-se o futuro farto.
A chuvinha persiste: macia, serena, fria.
Sair de casa é sentir o dia, respirar fundo a pureza do ar.
Andar pela cidade molhada e viver as mudanças:
        ver ruas e praças cheias de sombrinhas – alegres, coloridas, necessárias;
        acompanhar o corre-corre dos desprevenidos, aqui e ali, fugindo dos pingos;
deixar o barulho da chuva, na sombrinha, embalar os passos;
        seguir a água que escorre barulhenta das calhas e corre silenciosa pelos passeios;
        reparar a enxurrada que vai lavando a cidade e escorre – suja, escura, poluída – nos cantos da rua.
sentir, sem alarde, o borrifar da água nos sapatos, a umidade na roupa, o frio nos pés;
sorrir para as plantas, que exibem, agradecidas, o verde brilhante e as cores mais vivas.

Foi preciso sair de casa, aproveitar a manhã e sentir na pele os reflexos da água que vem do céu – limpa, pura, gratuita – trazendo vida nova.  
Foi preciso chegar a casa com o corpo umedecido e os pés encharcados.
A alma, porém, se alegra, canta, festeja:
é alegria pura, é renovo de vida, é graça de Deus;
é chuva.
Luisa Garbazza

30 de setembro de 2017

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Despedidas

“Vai-se a primeira pomba despertada...”
Assim dizia o poeta; assim na vida.
Assim os alunos que aqui vêm preencher minhas horas: chegam, ficam, vão e voltam, partem.
Alguns me envolvem, criam laços, cativam-me.
A amizade brota: leve, suave, terna.
Começam a fazer parte da minha vida.
Os anos passam e ali estão eles: presença cativa na cadeira de minha sala.
Mas a vida – incerta, passageira, cheia de surpresas – não para nunca.
É preciso caminhar, subir degraus, alçar voos, ganhar novos ares.
E lá vão eles, um a um, como as pombas do poeta.
Hora de soltar as amarras e deixá-los ir. Hora de despedidas.
Cada um que parte, deixa um pouco de si e leva um pouco de mim.
Paradoxalmente, os sentimentos se misturam: um misto de alegria e vazio, orgulho e tristeza.
É gratificante vê-los crescer. Difícil, porém, é a separação...
***
Ontem foi dia de despedida, de abraço, de aperto no coração.
Foi-se mais uma “pomba despertada”: companhia de muitos anos.
Chegou de mansinho e aqui fez morada. Alojou-se em meu coração.
Com jeito simples, convivência terna, sorriso fácil, já fazia parte da família.
Então veio a vida dizendo que a hora havia chegado.
E assim se fez.
Ontem foi dia de adeus, de abraço, de lágrimas.
Outro ciclo se abre: novos rumos, novas conquistas, novos voos.
“Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol.”
E o sol que aqui deixou é suficiente para manter acesa a chama da amizade conquistada.

Luisa Garbazza
29 de setembro de 2017


Para meus alunos!
Em especial, para minha aluna Lívia Costa.
Obrigada, Lívia, pelo carinho e por sua presença em todos esses anos.

Sucesso!

sábado, 16 de setembro de 2017

Tai Chi Chuan: a poesia do corpo


O lugar calmo, o silêncio – que vem de dentro – a música suave.
A quietude do espírito, a postura do corpo, a paz na alma.
A mente se aquieta e acompanha, harmoniosamente, os movimentos do corpo.
Os joelhos se dobram e os braços se levantam, suavemente, em delicados ritmos.
As pernas se movem:
dobram-se, alongam-se, sobem e descem;
seguem, recuam, giram, em um bonito bailado.
Os braços se agitam: cadência suave e forte ao mesmo tempo.
Como se possuíssem vida própria,
abrem-se, fecham-se, expandem-se,
projetam-se em todos os espaços;
avançam em direções diversas, protegem o rosto,
distendem-se, abraçam o corpo.
O corpo responde:
abaixa, levanta, inclina-se para lá e para cá;
solta-se, embrenha-se nesse labirinto de giros e passos.
e deixa ser guiado pelo instante.
É assim o Tai Chi Chuan.
É a poesia do corpo.
É a alma que fala através dos movimentos.
É a expressão do eu profundo que existe em nós.
Belos são os movimentos do Tai Chi Chuan:
compasso harmônico, gestos lentos e precisos, embalos e ritmos.
Em algum momento,
já não é a música suave que embala os movimentos;
é a melodia que vem do espírito, envolve corpo e mente,
inunda os sentidos e guia os passos.
São versos que brotam, com leveza e suavidade,
nas rimas da vida.
A alma torna-se leve; o corpo flutua
– como se buscasse o alto –
com graça e liberdade.  
Isso se consegue aos poucos, um passo a cada dia,
sem pressa ou atropelos.
Cada gesto aprendido, uma conquista;
cada dificuldade vencida, um pouco mais de confiança.
Um dia, quando menos se espera, a vitória:
os movimentos são vividos com mais segurança.
A mente se solta, o corpo responde e a mágica acontece:
na profundeza do ser,
o corpo é parte indivisível do universo.
Encontra-se, então, a calmaria, a alegria,

a paz e a completude.
Luisa Garbazza
16 de setembro de 2017

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Setembro – mês de bênçãos


Estamos em um mês muito especial. Como diz o poeta: “Quando entrar setembro e a boa nova andar nos campos, quero ver brotar o perdão onde a gente plantou.” E é assim mesmo. Setembro chega com uma nova roupagem, novos ares, novas esperanças. Há algo diferente no ar. A terra se prepara, à espera da chuva, e, apesar da seca que aflige a natureza,  os primeiros brotos começam a surgir. É o inverno se despedindo para que a vida se abra em primavera.
Esse ar diferente também toma conta de nossa vida espiritual. É tempo de repensar a vida religiosa, reavivar em nossa mente os ensinamentos de Jesus e os princípios que norteiam nossa fé. É o mês em que enaltecemos a Palavra de Deus, presente no Livro Sagrado. A Bíblia, para nós cristãos, é o livro onde encontramos a lei que deve dirigir nossos passos, nossas atitudes, nossos pensamentos e palavras. Acreditamos serem palavras inspiradas por Deus para nos orientar no dia a dia, em nossa vida de comunidade. E podemos confiar em tudo que ali está, pois sua lei maior é o amor. Se nosso objetivo for o amor, faremos apenas aquilo que irá contribuir para o nosso próprio bem, para o bem daqueles que nos rodeiam e, consequentemente, para o bem da humanidade.
Em cada ano, a Igreja nos propõe um livro da Bíblia para reflexão. Em 2017, somos convidados a meditar através da “Carta de São Paulo aos Tessalonicenses”. Uma carta linda, que nos apresenta o trabalho árduo e incessante dos apóstolos para anunciar o Evangelho. Eram muitas as dificuldades encontradas pelo caminho! Maior ainda, eram a coragem e a fé daqueles homens, que, em momento algum, duvidaram das palavras de Jesus. Por onde passavam, ensinavam a vida em harmonia, uns ajudando aos outros, levando socorro nos momentos de dificuldades, dividindo as alegrias e cultivando a esperança em nosso Senhor Jesus Cristo.
A nós, através das palavras de São Paulo, Jesus pede a mesma coisa: levar a palavra de Deus para nossa vida, praticar a caridade, viver uma vida de oração, guardar-nos de toda espécie de mal, fazer tudo para a nossa santificação e não cessar, em momento algum, de dar graças a Deus por todos os benefícios que Ele nos concede a cada dia de nossa vida.
Portanto, apropriando-nos das bênçãos de setembro, aproveitemos a magia da natureza e a presença de Deus, tão fortes neste mês, para abrirmos nosso coração. Tenhamos coragem para vasculhar as gavetas da nossa existência e retirar aquilo que não serve ao modelo de vida cristã. Busquemos força para retirar os velhos galhos, preparar a terra do nosso coração, aguardar a primavera e nos alegrar quando os primeiros brotos surgirem e as primeiras flores enfeitarem nosso viver.
Assim, cheios da graça de Deus, quando o “sol de primavera” entrar em nossas janelas, podemos nos regozijar com as palavras de São Paulo, no final da Carta aos Tessalonicenses, naquela época, e a nós hoje: "O Deus da paz vos conceda santidade perfeita. Que todo o vosso ser, espírito, alma e corpo, seja conservado irrepreensível para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo!" Amém.

Luisa Garbazza

Publicação do Informativo Igreja Viva
Paróquia Nossa Senhora do Rosário
Setembro de 2017

domingo, 3 de setembro de 2017

Nuances do amor


Nós bom-despachenses presenciamos, em meados de agosto, uma singular demonstração de fé do nosso povo: a festa do Reinado, realizado em honra a Nossa Senhora do Rosário. Ano após ano, com o mesmo entusiasmo, os fiéis devotos se organizam para cantar, dançar e louvar a Mãe de Deus em uma festa que congrega todas as paróquias em uma só devoção.
Quanta gente envolvida! A preparação remota – novena envolvendo todos os cortes – prima pela espiritualidade e predispõe a alma do povo para sentir o amor de Maria. Os cinco dias da festa transforma nosso dia a dia. Ninguém fica imune à presença dos dançadores pelas ruas da cidade.
No meio da tarde de domingo, a procissão segue piedosa, alegre, sem pressa. Uma grande multidão – povo e dançadores – acompanha as imagens de São Benedito, Santa Efigênia e Nossa Senhora do Rosário. Mais próximo à Praça da Matriz, um enorme cordão humano se forma, ladeando as ruas, para apreciar a dança e aguardar a passagem de Nossa Senhora.
Cada detalhe da festa chama a atenção, atrai o olhar, desperta a emoção: as bandeiras que anunciam a chegada dos reinadeiros; as mãos que tocam os instrumentos; os tambores que marcam a cadência de cada corte; os pés que acompanham a música, em um vai-e-vem ágil e contínuo; as crianças pequenas que ensaiam os primeiros passos de dança; a presença da Virgem Maria sob o título de Nossa Senhora do Rosário.
Tudo é lindo demais! Não me canso de admirar, mesmo depois de tantos anos! Neste ano, no entanto, um acontecimento novo chamou minha atenção. Algo diferente, inusitado: no meio daquela eclosão de pessoas, de cores que se misturam e se harmonizam, ao som de instrumentos que se concertam formando uma grande orquestra, uma cena se forma, um flagrante desses que mexem com o coração e provocam deslumbramento e emoções. Divisei, ao longe, ao se aproximar um dos cortes, um dançador que vinha com os braços dobrados, rente ao tronco. A camisa escura, com bolinhas, deixava as vistas embaralhadas. Quando se aproximou, percebi a realidade, terna e bela, que se constituía tão próximo a mim: aquele dançador (aos meus olhos) era um pai, e aqueles braços dobrados agasalhavam, ao longo do peito, o filhinho. – Tão pequenino! Penso que não tinha mais que um mês de existência. – Uma das mãos sustentava, delicadamente, a cabecinha; a outra, o corpinho da criança. O bebezinho também estava vestindo a farda do corte. De longe, as cores se misturavam. Só mesmo de pertinho era possível visualizar bem o quadro que se formava. Fiquei extasiada. Em poucos instantes, o pai seguiu, orgulhosamente, seu caminho. Os pés acompanhavam a cadência da dança; as mãos davam aconchego ao filho que, em segurança, parecia dormir tranquilamente.

Que delicadeza! Agradeci a Deus por meus olhos terem contemplado aquele momento. Estamos precisando muito de instantes assim: em nossa vida, em nossas famílias, em nossas comunidades... Precisamos de mais amor e aconchego entre pais e filhos, mais amizade entre irmãos, tios, primos, avós. Necessitamos de mais fraternidade entre os que participam da mesma comunidade, da mesma paróquia, entre os que moram na mesma cidade. Carecemos de gente que reza, que canta, que sai do comodismo e oferece os dons a serviço do reino de Deus. Gente determinada e agradecida, que segue sua vocação. Como aquele pai que, para louvar Nossa Senhora, sustentou o filho nos braços e mostrou ao mundo que é um pai presente, um pai que ama, que louva, que vive pelo filho.
Luisa Garbazza

Publicação de setembro no jornal "Paróquia Nossa Senhora do Bom Despacho"