terça-feira, 10 de outubro de 2023

A pureza da criança

 



Nas voltas e idas desse emaranhado que é a vida humana, desperta-me a curiosidade pela riqueza dos relacionamentos. Intriga-me os olhares – mesmo os de soslaio –, as longas conversas ou os breves diálogos – monólogos até –, o toque, o abraço. Às vezes me distraio observando as pessoas pelas ruas e divirto-me com as conversas altas por meio dos celulares. Há tanta diversidade! E tantos modos de se relacionar. Para ocasiões diferentes, para pessoas diferentes, diferentes formas de se aproximar, de falar a primeira palavra, de estender as mãos, de oferecer o abraço.

Em minha timidez, os relacionamentos, em sua maioria, não são muito profundos. Como muralhas que se interpõem entre mim e o outro, vem a dificuldade de manter um diálogo, de adentrar o coração do meu interlocutor ou de abrir as portas para que ele participe de minha vida. Quase sempre, faço uso apenas da função fática da linguagem: “Bom dia!”, “Como vai?”, “Tudo bem?”. Muitas vezes permaneço no vazio de mim mesma. No fundo, sinto-me pequena para compor as notas da música da vida em sociedade. Se a pessoa não me convida, fico no meu canto, sem coragem de me apresentar para tal. Às vezes sinto-me insegura ao pensar que minha atitude possa ser interpretada como arrogância, mas é pura timidez.

Quando encontro uma criança, no entanto, meu coração se escancara, a alma se doa, sinto-me vulnerável. A conexão com essas criaturinhas traz-me paz e uma imensa alegria.  É muito bom ouvir suas histórias, observar suas preferências, constatar sua sinceridade e, se conseguir cativá-las, receber o abraço e o beijo inocentes. Assim foi a minha história com a pequena Malu. Conheço-a desde que nasceu. O meu relacionamento com seus pais é ocasional. Encontramo-nos na praça, na igreja ou em algum evento religioso. Sempre que os vejo, tento-me conectar com Malu. Em alguns dias ela sorri e se esconde por trás da mãe; noutros, nem isso. Depois veio o contato pelos olhos. Sempre furtivos, pousavam nos meus, como se quisesse dizer: “Ah! É você!” E se encolhia nos braços da mãe. Assim, por mais de dois anos.

Na última ocasião em que nos encontramos, porém, algo mágico aconteceu. Na alegria que sempre trazem as manhãs na praça, avistei, ao longe, a família da Malu. Aproximei-me, sorridente, e vi que ela também me sorria. Agachei-me, para cumprimentá-la, e vivi, com tamanha alegria, a magia daquele instante. A pequena se aproximou, com os bracinhos abertos, sem diminuir a intensidade do sorriso, e abraçou-me, sem reservas. Ali, naquela conexão de almas, Malu se deixou ficar. Depois afastou-se um pouco, olhou-me demoradamente, ouviu-me e abandonou-se novamente no meu abraço. Ah! Lágrimas! Por que me traem assim? É a alegria do coração que salta aos olhos. Literalmente. Bendita seja  a pureza de cada criança!

 

Luisa Garbazza

Jornal Paróquia N. Sra. do Bom Despacho

Outubro 2023