sábado, 25 de abril de 2020

Solidão

Olho à minha volta.
Portas e janelas, escancaradas,
não aplacam a solidão.
Ruas vazias, silenciosas,
traduzem a lassidão.
As luzes, todas acesas,
incapazes de alumiar o dia, avivam a escuridão.
É que a escuridão vem de dentro,
da alma sensível,
da essência do ser que inunda o coração.
Vem do aperto que se expande,
preenche o peito, mas não consegue sair.
Vem da saudade imensa
que habita o vazio da vida, traduzida em aflição;
saudade de tudo e de nada,
do que se foi e do que não é,
e do que talvez venha depois.
O silêncio impera, frio e pujante.
As angústias e incertezas,
a monotonia das horas,
os dias que passam – tão iguais! –
trazem o medo, velado,
do imprevisível, do incontrolável, do fim.
Os sentimentos, todos em explosão, revelam-se, afinal.
O que se vê é a morosidade dos passos,
a expressão aflita da face,
a débil força do olhar,
o grito inaudível da alma
e, lá no fundo, bem lá no fundo,
uma semente de esperança.

Luisa Garbazza

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Jesus não passou em minha casa


Os cristãos comprometidos vivem a Quaresma – tempo de conversão.
O mundo globalizado, a quarentena – necessidade de reclusão.
Fecham-se as casas, fecham-se as igrejas.
Fechamo-nos em casa, sem presença, sem abraços.
Sem encontro com o irmão, sem Missas, sem Comunhão.

Vislumbra-se a Páscoa.
Coração vive a ansiedade, desejo da presença real do Cristo ressuscitado no Santíssimo Sacramento.
A Igreja do Brasil se organiza
Em carro aberto, realiza o tão sonhado desejo:
Jesus Eucarístico, pelo sacerdote conduzido, pelas ruas e praças da cidade.

Preparei-me para recebê-lo, mas Jesus não passou em minha casa.
Preparei o portão com símbolos de ressurreição, e Ele não passou em minha casa.
Preparei a alma, o coração, acendi uma vela...
E Jesus não passou em minha casa.

Ouvi o som, ao longe, e saí para a rua.
Vislumbrei o carro em que Ele estava.
Ele não passou em minha casa, mas olhou para mim.
De longe ele olhou para mim e me reconheceu.
Com certeza, sentiu meu olhar suplicante, minha alma sedenta, como sentiu o toque daquela mulher que sofria e acreditou que Ele podia curá-la.

Jesus olhou para mim e senti sua presença, seu amor.
Senti que, apesar de não haver passado em minha casa, Ele estava ali, perto de mim, abençoando-me, dando-me forças para prosseguir.

Jesus não passou em minha casa, mas marcou presença e fez morada em meu ser.
Luisa Garbazza
12 de abril de 2020

terça-feira, 7 de abril de 2020

Força divina



O amor de Deus é o de mais sublime e grandioso que existe, algo que sequer podemos imaginar. Deus é o amor por excelência. Como filhos que somos, sempre recebemos o amor de Deus, mas é em tempos de crise que o experimentamos mais efetivamente. Podemos senti-lo de maneira extraordinária. É algo que nos toca profundamente, como se nos encharcasse por inteiro, como se nos inundasse em sua graça. Isso pode ser sentido graças à força do Espírito Santo sobre nós.

É por esse amor imensurável, testemunhado entre nós por Jesus Cristo, que muitos se põem a caminho, ou ficam à disposição para ajudar no projeto do Pai: vida em plenitude para todos. Em qualquer trabalho que estivermos executando, no sentido do bem comum, precisamos ter a certeza da presença do Espírito Santo a nos guiar os passos, a orientar nossas atitudes e palavras. Ledo engano pensar que sabemos o bastante e que conseguimos agir com confiança por nossos próprios impulsos. É sempre o Espírito Santo que nos conduz.
De vez em quando, em nossa vida de leigos atuantes, somos surpreendidos por algum acontecimento que vem reforçar a certeza de que somos instrumentos nas mãos de Deus, como este que partilho com o leitor:
No segundo domingo do mês de março, também o segundo domingo da Quaresma, cheguei à Igreja Matriz para ajudar na celebração. Logo chegou também a salmista, muito preocupada, pois o senhor que ia tocar para acompanhá-la não estava se sentindo bem, talvez nem conseguisse permanecer na igreja. Conversamos e disse a ela que não se preocupasse. Tudo daria certo, com a graça de Deus. Ela concordou, mas, aparentemente, não conseguiu vencer a preocupação de cantar sem acompanhamento.
Confiantes na graça de Deus, começamos a celebração. O canto de entrada encheu o ambiente lindamente, voz e melodia. O mesmo com o Ato Penitencial. Parece que tudo ia bem. Quando iniciou a Liturgia da Palavra, no entanto, vimos o músico sair pela sacristia. No momento do Salmo, ao se aproximar do ambão, a salmista sussurrou-me, ansiosa, dizendo que iria cantar sozinha: o tocador fora mesmo embora.
Então, a graça veio. Ela cantou o refrão e todos responderam. No momento em que iniciou a estrofe, houve um profundo silêncio na igreja. Só se ouvia a sua voz. Todos absortos nas palavras que saíam de sua boca, proclamando a grandeza de Deus e pedindo: “No Senhor nós esperamos confiantes, porque ele é nosso auxílio e proteção! Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça, da mesma forma que em vós nós esperamos!” (Sl - 32/33).
Depois apareceu outro tocador e acompanhou-a nas outras músicas. A voz melodiosa que encheu o silêncio, porém, foi o exemplo da graça de Deus naquele dia. Fato que nos mostrou que o Senhor escolhe as coisas mais simples, os momentos mais singelos para manifestar sua presença e mostrar sua força.
Assim, irmãos em Cristo, precisamos nos conscientizar, cada vez mais, de que somos meros instrumentos nas mãos de Deus, Pai Misericordioso. Ele não escolhe ricos e poderosos, honras e banquetes. Escolhe, sim, os humildes, os puros de coração. Em tudo que fizermos para o Pai, em nome de Cristo, na Unidade do Espírito Santo, deve ser feito de maneira simples e humilde, segundo a sua vontade. Dizendo isso, lembro-me das palavras que ouvi, há tempos, do Padre Geraldo Mayrink, SDN, sobre uma ordenação diaconal da qual ambos participamos: “Estava muito bonita! Tudo muito simples e humilde. E isso é muito bom. Quanto mais simples, mais Jesus Cristo aparece”.

Luisa Garbazza
Abril de 2020
Jornal Paróquia N. Sra. do Bom Despacho