O povo simples de Bom Despacho, cidade nascida sob
o olhar protetor de Nossa Senhora, vem mostrando, desde o início, a sua fé em
Deus – uno e trino. Essa fé, que cresceu e se espalhou, é vivenciada com
demonstrações variadas, como a Santa Missa, a reza do terço e as tradicionais
novenas. No entanto a manifestação que sempre se destaca no cotidiano do
bom-despachense é a devoção à sexta-feira.
Primeiramente, destaco a devoção ao Sagrado Coração
de Jesus, renovada a cada primeira sexta-feira do mês. Lembro-me dos relatos de
minha mãe, que morava na zona rural e vinha todo mês para fazer a novena das
nove sextas feiras. Ela contava que vinha gente de todos os lugares. Às vezes,
como mostra seu próprio exemplo, a caminhada era longa: léguas de distância.
Mas, impulsionada pela fé, trilhava os caminhos com a alma leve, sem se
importar com o cansaço nas pernas, provocado pelo peso do corpo. Depois de
casada, quantas vezes fez esse trajeto carregando filho pequeno, sacolas e uma
mala de roupas na cabeça. Oferecia a Deus o sacrifício e rumava para a cidade.
O objetivo era sempre o mesmo: adorar Jesus no Santíssimo Sacramento e receber
a Sagrada Comunhão. Guardou essa devoção pela vida inteira, enquanto teve
forças para caminhar. E muitos são os que seguiram e ainda seguem esse ato
religioso, mesmo passando por sacrifícios, principalmente os membros do
Apostolado da Oração.
Os católicos bom-despachenses da minha geração, participamos,
por muitos anos, dessa celebração, geralmente realizada pelo Padre Jayme, na
época das confissões comunitárias. Às dezoito horas, começava a adoração ao Santíssimo
Sacramento. A igreja ficava pequena para receber tantos fiéis, que iam se aglomerando
e se acomodando em todos os espaços disponíveis. Às dezoito horas e trinta
minutos, fechavam-se as portas e iniciava-se a celebração comunitária da
penitência. Colocava-se uma gravação com uma belíssima reflexão sobre os dez
mandamentos. Depois o Padre Jayme, com palavras sábias, firmes e
significativas, levava-nos a meditar sobre a nossa própria vida. O coração
exultava e a alma ficava leve quando recebíamos a absolvição. Com o passar do
tempo, a divisão de paróquias e o corte das confissões comunitárias, a
celebração tomou uma proporção menor. Não em importância, mas em número de
fiéis.
Outra demonstração de fé, ainda mais forte, que
acontece às sextas-feiras, e nem o tempo, nem a divisão de paróquias
conseguiram enfraquecer, é a noite da Sexta-feira Santa, popularmente chamada
de Sexta-feira da Paixão. O que acontece nesse dia é mágico, ou, melhor
dizendo, divino. Às dezoito horas, ao começar a Via-sacra, a igreja já está
cheia. Quando terminamos a Via-sacra e saímos da igreja, deparamos com a praça,
em frente à porta principal, onde se encontra o Cristo crucificado, repleta de
fiéis. E não param de chegar. Vindo de todos os lados, vão se ajuntando no
entorno da praça, pois o largo em frente ao templo não comporta a grande
multidão que ali se forma. As palavras do padre e o canto da Verônica são
ouvidos com atenção e respeito. O silêncio daqueles momentos, a despeito do mar
de pessoas presentes, também é divino. A saída da procissão é morosa; os
passos, minúsculos. Ninguém tem pressa: a causa é nobre. O caminho é percorrido
com tranquilidade, iluminado pelas velas e embalado por músicas e orações.
Quem acompanha a
movimentação até o final, presencia um fenômeno explicado apenas à luz da fé:
quando a imagem do Senhor morto é depositada em frente ao altar, bem no centro
da igreja, começa o cortejo para beijá-lo, tocar na coroa de espinhos e
recolher um pouco dos ramos bentos colocados no esquife. É um caminhar lento,
demorado e silencioso. Leva-se muito tempo até transpor todo o corredor da
Matriz. Mas ninguém sai da fila, impacienta-se ou demonstra cansaço. Vale a
pena o sacrifício para se aproximar de Jesus. Lá da frente, próximo ao altar,
fico observando, feliz e admirada, aquele cordão humano que parecia não ter
fim. E agradeço a Deus pela oportunidade de presenciar tamanha manifestação de
fé.
Luisa Garbazza
Publicação do mês de maio
Jornal Paróquia N. Sra. do Bom Despacho