domingo, 30 de agosto de 2020

Mãos estendidas


Queridos leitores, setembro nos chega com ares de esperança. Já o iniciamos com a “Semana da Pátria”, desejosos de ver o Brasil progredir em “graça e sabedoria”. É ainda neste mês que comemoramos a chegada da Primavera, tempo de renascimento, de vida nova, da alegria das flores e dos passarinhos. Mas o que mais chama nossa atenção de cristãos católicos é setembro como o “Mês da Bíblia”. Em 2020 temos em destaque o livro do Deuteronômio, com o lema “Abre tua mão para o teu irmão”. (Dt 15,11)

No livro do Deuteronômio, temos, bem explícita, nossa urgência em compreender e divulgar a Palavra de Deus: "Derrame-se como chuva a minha doutrina, espalhe-se como orvalho a minha palavra, como aguaceiro sobre os campos verdejantes, como chuvarada sobre a relva." (Dt 32,2) Não basta, no entanto, apenas espalhar a palavra, como folhas ao vento, é preciso compreendê-la e colocá-la em prática para sermos puros aos olhos de Deus: "Aplicai os vossos corações a todos os preceitos que hoje vos dou, prescrevei-os a vossos filhos, a fim de que pratiquem cuidadosamente todas as palavras desta lei". (Dt 32,46). 

E quais seriam esses preceitos? O que fazer para merecer o olhar bondoso de Deus? As respostas estão justamente no livro do Deuteronômio, que nos leva a acompanhar os passos de Moisés, conduzindo seu povo, tentando fazê-lo acreditar e confiar em Deus. Nos passos de Moisés e em suas conversas com Deus é que se formam as leis – os dez mandamentos – cuja essência é "Seguireis o Senhor, vosso Deus, e o temereis; observareis seus mandamentos, obedecereis à sua voz e o servireis com muito zelo." (Dt 13, 5)

 

Fé na caminhada

Em 2020, estamos atravessando um período de dificuldades, de deserto na existência, tal e qual o povo de Deus no deserto Sinai. A travessia, para aquele povo, foi um tempo propício para refazer a vida, para renovar a certeza do amor de Deus. Para nós, este tempo de pandemia também deve servir para nos aproximarmos de Deus. Não apenas encontrá-lo na Bíblia ou nas palavras de nossos sacerdotes, e sim no coração: “Então procurarás o Senhor, teu Deus, e o encontrarás, contanto que o busques de todo o teu coração e de toda a tua alma". (Dt 4,29)

Esse amor profundo por Deus nos ajudará a suportar os conflitos que vão surgindo em nossos caminhos, principalmente em tempos de penúria. As dificuldades da vida são superadas, ou enfrentadas, com mais facilidade quando caminhamos ao lado de nossos irmãos e irmãs e acreditamos profundamente que Deus caminha conosco. Assim teremos mais forças para lutar e para ajudar a todos os que precisarem de nós. "Não fareis distinção de pessoas em vossos julgamentos." (Dt 1,17)

Na travessia destes dias, em que nos desestruturamos psicologicamente ao vermos tantos irmãos e irmãs vitimados pelo coronavírus, percebemos o quão necessitados de ajuda somos. Por isso abramos nossa mão para acolher e ajudar o nosso irmão. Sabemos que há muitos irmãos nossos impossibilitados de cuidar de si. Aproveitemos para fazermos a nossa parte, o tanto que pudermos, mesmo que seja intercedendo através da oração.

E quando o medo, a ansiedade, a angústia, a solidão rondarem nosso coração, acreditemos na força divina que vem sobre nós através do Santo Espírito. Confiemos, mais uma vez e sempre, nas palavras sagradas: "Coragem! E sede fortes. Nada vos atemorize, e não os temais, porque é o Senhor, vosso Deus, que marcha à vossa frente: ele não vos deixará nem vos abandonará”. Dt 31,6)

   Luisa Garbazza

  Jornal Paróquia Nossa Senhora do Bom Despacho

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Café com lembranças



Em sua trajetória, cheia de altos e baixos, curvas e desníveis na caminhada, a vida é feita de encontros. Encontros de corpos, encontros de olhares, encontros de almas. Alguns são efêmeros, outros, duradouros, outros ainda perpetuam para todo o sempre. O destino – sorte ou providência – se encarrega de ir provocando esses momentos de proximidade ao longo dos anos. O primeiro encontro é quase sempre com a mãe. Por ser tão sublime, é o mais duradouro. Depois os encontros com o pai, com os amiguinhos da escola, com a professora e tantos outros vão se sucedendo. Encontra-se por motivos diversos, ou sem motivo algum. Muitas vezes, essas ocasiões são regadas a café. “Vai lá em casa tomar um cafezinho.” – é uma frase muito ouvida, pelo menos por quem mora em cidade pequena. Oferecer um café é o maior agrado, maior demonstração de amizade e carinho pela pessoa. E há de ser coado na hora, exalando seu aroma, estimulando os paladares mais refinados.
Mineira que sou, morando em cidade pequena, também sou amante do famoso “cafezinho”. Quanta ternura há em encontrar alguém, em uma tarde amena de outono, para um café. Ou nas manhãs frias de inverno, ou em companhia da brisa fresca da primavera, ou mesmo no calor das tardes de verão. Não importa dia, nem hora, nem a companhia. Para mim, além do meu esposo, companhia de todo dia, a presença mais frequente é minha irmã Regina. Ora aqui em casa, ora na casa dela, sempre reservamos uma visitinha para o cafezinho. Coração torna-se aquecido, não só pela quentura da bebida – que ambas gostamos bem quente –, mas também pelo calor da presença, pela prosa boa, pelas lembranças que vão se formando na mente, saltando do coração e ganhando forma através das palavras. Encontros preciosos que colorem a existência de nuances inusitados e felizes.

Ternas memórias
Nas voltas da vida, minha melhor lembrança dessa bebida, no entanto, não vem dos encontros com minha irmã; vem de uma experiência com meu filho mais velho que, curiosamente, não tomava café. Época da adolescência. Reservado que era, depois que chegava da escola, estava sempre em casa. Veio então uma época em que a vida estava bem embrulhada. Com a saúde frágil, passei por um período de muita fraqueza. Mas continuava trabalhando. Contava então, ainda mais, com o auxílio dos meus filhos para as tarefas domésticas. – Digo ainda mais, pois eles sempre me ajudavam. – Na carência de uma máquina de lavar, Matheus me ajudava a lavar as roupas. Houve uma tarde, cinzenta, fria, chuvosa, em que precisávamos realizar essa tarefa. Chamei-o e disse: Vamos, meu filho! Voltei, porém, e pedi que esperasse um pouco, pois ia fazer um cafezinho primeiro. Sua atitude foi muito afetuosa. Aproximou-se tranquilamente, com seu semblante sério, e falou-me assim: “Não, mãe! A tarde está muito fria. Vamos lavar a roupa primeiro. Depois a senhora faz o café, toma um banho quente e pode descansar.” Refleti, por alguns segundos, e tive de concordar com ele. Agi tal e qual havia me sugerido. E percebi que tudo fora muito bom: sua companhia amada, auxiliando-me a lavar a roupa; o café, que desceu quente revigorando o ânimo; o banho que me aqueceu o corpo; a recordação das palavras do meu filho, que me acalorou a alma.
Assim deveriam ser todos os encontros da vida: momentos que deixam marcas felizes e alimentam lembranças luminosas. Seja um breve instante, ao cruzar alguém pelas ruas; minutos de prosa em uma praça ou outro lugar qualquer; ou uma visitinha para um delicioso e perfumado café. Deles hão de germinar sempre marcas boas, que aquecem e alimentam a alma para os momentos de aridez.
Vai um cafezinho aí!?
Luisa Garbazza

Jornal Paróquia N. Sra. do Bom Despacho
Agosto de 2020