sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Pedacinho de quintal



Os quintais me fascinam. Não os de hoje, quase todo cimentados, cheios de modernidades. Os de ontem. Aqueles bem naturais, com árvores frutíferas, flores, muita terra e, os mais privilegiados, um rego de água limpa que refrescava, umedecia o solo e o ar. E ainda deixava o ambiente mais belo e acolhedor.
Vivi minha primeira infância em uma casa com quintal assim. Essa imagem bucólica ficou impregnada em meu ser. Até hoje faz parte das minhas lembranças. Ou melhor, da minha vida. É parte de mim. Quantos momentos foram vividos ali! Momentos de encanto e magia. A terra foi, muitas vezes, a matéria prima de longas brincadeiras. E aí entravam também as pedras, as plantas, as flores e os insetos.
Atualmente, morando mais no centro da cidade, o espaço é curto para quintais. “Vamos morar em um apartamento.” – ouvi muitas vezes de meu esposo. Com toda essa obsessão por quintais – e com a generosidade de meu marido – convenci-o a morarmos em uma casa. “Que tenha pelo menos um pequeno espaço onde eu possa cultivar algumas plantinhas.” – foi o meu argumento. Assim se fez.
No fundo da casa, com poucos metros de extensão, reina meu cantinho de céu, meu paraíso: dois canteirinhos, onde cultivo algumas hortaliças, um canteirinho com minhas ervas medicinais e outro espaço dividido entre meu pé de acerola e o de pitanga. Perto dos pés de frutas, o chão rústico, todo coberto de galhos e folhas secas, traz-me à lembrança os lugares de minha infância. É o meu refúgio. Ali debaixo, abraçada pelos galhos verdes e amparada pela sombra fresca, sinto-me protegida. A mente concentra-se em cada detalhe do lugar, acolhe a mensagem de quietude e simplicidade e devolve-me a paz de espírito de que tanto preciso. Não sei explicar o sentimento que me envolve nesse lugar, mas meu subconsciente, esse, com certeza, saberia esclarecer, palavra por palavra, essa conexão perfeitamente incrível.
Estamos em setembro. A primavera, recém-chegada, consegue driblar o rigor do sol e da falta de chuva e permitir que as plantas floresçam. A pitangueira floriu lindamente e se enfeitou de branco. Depois, frutas e folhas tomaram um tom único confundindo os olhares mais desatentos. Agora já mudou a arranjo: o laranja dominou tudo. Pequenas e deliciosas, lá estão as pitangas, destacando-se de tudo o mais, convidando-me a aproximar e saboreá-las. Qualquer tempo livre, sinto-me atraída e lá vou eu aproveitar uma oportunidade que me fascina e me emociona: o prazer de pegar a fruta ainda no pé. Evito apenas o rigor da “volta do dia”, com o sol muito forte. A fruta fica quente por demais e o sabor não é o mesmo.
Meu pedacinho de quintal: aqui é o meu lugar. Onde eu me afasto das preocupações, do corre-corre e da tecnologia, que tudo domina. Aqui vejo as mudanças de cada estação, as folhas caindo no outono, sofrendo com o inverno e renascendo na estação seguinte. Observo, embevecida, os inquilinos que dividem o espaço: os costumeiros pardais; um sabiá, que gosta de vir cantar pela manhã; bem-te-vis, com seu canto forte; vários outros passarinhos bem pequenos; e as delicadas rolinhas, que vêm constituir famílias. – Recentemente acompanhei a história de uma delas: namoro, construção do ninho, depois os ovinhos e o crescimento dos filhotes. – É enternecedor perceber a presença de seres tão frágeis em meu cantinho. Vê-los assim tão perto, ao alcance da mão. Sentir-me responsável por eles.
Assim vou seguindo minha história. Abro um leve sorriso lembrando meu quintalzinho e meu amor por ele. Sei que ainda vou viver muitos momentos nesse recinto encantado. Quem sabe a vida toda? Um pouquinho a cada dia. A dose necessária para não me deixar esquecer das origens. A quantidade certa para alimentar minha sensibilidade, minhas emoções e para conservar o carinho que sinto pelas criaturas de Deus. A vida tem mais sabor quando conservamos as coisas mais simples e puras alimentando nosso coração. E o melhor lugar para isso é em contato com a mãe natureza, mesmo que seja em miniatura.
Luisa Garbazza
3 de outubro de 2014



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