Fui convidada a entrar em um mundo mágico em busca
de uma chave especial. Fiquei bastante
apreensiva ao imaginar como é extenso o universo das chaves. Encontrar “A
chave” e carregá-la de significado pode ser tarefa penosa para principiantes.
Depois de pensar e repensar, a decisão: “Estou disposta a percorrer esse
caminho”.
Comecei encontrando “A chave do passado”, uma chave
velha e quebrada que povoou meus sonhos, transportou-me de volta ao mundo
mágico da infância e ensinou-me a olhar sempre para frente sem me prender às
amarras do passado. Alguns passos à
frente, numa história parecida, deparei-me com Albertina Fernandes, que voltava
à casa da sua infância, e, com a chave do carro na mão, ficou ali, a olhá-la, vazia,
silenciosa, sem o encanto de outrora e a contemplar “O silêncio dos invisíveis”
Recomecei a caminhada com Adriana Teixeira Gomes
falando sobre “O poder” que sobe à cabeça de quem tem o controle das chaves,
afinal estamos todos dependendo delas. Concordei com ela. Precisamos sim, mesmo
que seja para abrir uma ideia, como aconteceu com Alexandre Acampora em sua “Metamorfose”:
uma ideia para eliminar os fungos que insistiam em impregnar seus livros.
Retomei a procura com Alexandre Sandrieu. Uma chave
na ignição, um acidente trágico e entre perdas, ganhos, luta pela vida e um
amor muito grande, escreveu “A última carta de amor”. A tragédia se repetiu com
a “Chave bendita”, que nas mãos de Lucas Figueiredo Silveira testemunhou o fim
de uma linda história de amor que teve início nos tempos da meninice e desfecho
de vingança. Trágico também foi o motivo de uma partida inesperada que deixou
em pedaços Luz Corvo Dias. Uma chave guardada em um envelope dentro de uma caixa,
uma carta e um endereço que resultou em “Retalhos de mim”. Ainda trágica a chave
esquecida na fechadura, do lado de fora da porta, por Thaís Amado. Pretexto
para um encontro feliz, mas que desencadeou uma tragédia passional. Resultado:
“Uma chave e Três vidas”.
Observei durante a caminhada que algumas coisas
precisam ser muito bem trancadas. Como o coração. Assim como “Sete chaves, no
lugar do teu coração” foram abrindo uma a uma as sete portas, colocou Filipa
Vera Jardim frente aos dissabores da vida e preparando-a para, enfim, viver. Ou
as sete chaves que fechavam o coração de Teresa Almeida impedindo a felicidade
que só foi reencontrada quando readquiriu a alegria da gratuidade e, com amor,
recuperou a chave do coração em sua “Viragem”. O sete, também considerado “O
número perfeito”, representava a casa de Alice Branco, cuja porta está sempre
aberta a sete chaves sugerindo a liberdade de quem não se apega a coisas
materiais. E as sete chaves de Dalila Moura Baião, cravejadas de lapas e
vestígios de algas, cada uma com uma letra que “Entre o vento e o mar” formam a
palavra INFINITO e mostram anjos que revolvem a terra e plantam a fraternidade.
Nenhuma dessas era a chave que procurava. Soube então de uma chave velha que foi
rejeitada por uma fechadura brilhante, convencida, soberba, revelada por Alice
Mano-Carbonnier em “Era uma vez uma chave”. A fechadura teve um fim trágico:
enferrujada, desmanchada e jogada no lixo; a chave, guardada em uma linda caixa.
Continuei com “O Dandi imortal” e percebi a estranheza da vida de quem não
encontra razão para viver e a loucura provocada por uma pequena chave dourada e
descrita por André Lamas Leite. Ao longe, vislumbrei “A chave perdida” que
abriria um cofre negro, recheado de dinheiro cobrado dos pobres por um rei
perverso que morreu na batalha. Antonio MR Martins conta de um novo e bondoso
rei, mas o cofre...
Sozinha nesse caminho, senti pesar a solidão.
Encontrei sentimento comum em algumas chaves que descobri pelo caminho:
primeiro Cristina Correia nos mostra a chave da arca de “A avozinha Eva”, que
era aberta para esquecer a solidão, mas que ensinou a livrar-se dela ajudando
as outras pessoas; em seguida o “Vai e Volta” de Beatriz Pacheco Pereira
apresenta duas chaves douradas que serviram de pretexto para uma de muitas
visitas que amainariam a solidão de alguém que estava longe de casa; a chave
misteriosa de Bruno Resende Ramos que provocou a solidão, da qual só se liberta
quem, pelos “Caminhos e descaminhos”, encontrar a chave da própria vida; e as
perdas de “Mafalda de Loutulim” contadas por Cristina Malhão-Pereira, que sai
em busca de si mesmo, encontra alguém e entrega-lhe uma chave que abre, ao
mesmo tempo, sua casa e seu coração.
Em “É de repente que as coisas grandes acontecem”,
depois de uma viagem forçada, Cristina Silveira de Carvalho revela os caprichos
do destino. Encontra alguém que volta à memória quando procura as chaves da
casa e encontra junto aquele bilhete: “Call me”. Já a chave de Elvira Cristina
Silva pertencia a uma casa que escolheu a moradora e só ela possuía “As mãos
certas para abrir a porta”. Encontrei Helena Osório contando sobre a angústia
de alguém que está sempre esperando ouvir o barulho da chave abrindo a porta
altas horas, mas precisava de “Cem chaves para abrir o coração”.
Na suavidade da poesia de Egídio Trambaiolli Neto,
“A bailarina e o soldado” é uma história de amor de um soldado que morreu
carregando consigo a chave da alma de sua bailarina, mas que deixou viva a
chave da esperança. De forma análoga, “A chave da esperança” de Isabel Maria
Nascimento Rodrigues revela o caminho para encontrar o amor e a chave para
abrir o coração. E nos versos de Libânia Madureira, uma dança poética que entre
chaves para alento da alma, chave do pórtico e chave-círio, que tudo ilumina,
apresenta-nos a “Chave do ser”.
Bem no meio do caminho, esbarrei com uma chave de
prata de tons azulados. Era “A chave do cofre de Lia” que abria o coração da
menina de tranças e, conforme disse Joaquim Sarmento, prendeu para sempre o
coração de alguém apaixonado. Vi também
“As chaves” de Joubert Amaral revelando a efemeridade da vida e a velocidade do
tempo representada pelas consequências dos atos provocados pelas chaves
perdidas.
De um momento a outro, estava dentro da literatura,
no mundo de Fernando Pessoa que escreveu uma “Carta para Ofélia”. Haveria ela
de decifrar o código que recebeu juntamente com uma chave. José Carlos Pereira
entra na confusão causada pelos heterônimos da história e a chave servirá para
que encontrem o próprio caminho. Num piscar de olhos encontrei “O livro mágico”
em que Luís Pereira estava perdido. Em uma narrativa de um ritmo acelerado,
cheia de personagens estranhos, só ele tinha a chave para terminar aquela
história.
“Demorou a chegar” a chave de Maria do Céu Neves,
que precisou ser procurada exaustivamente, anunciada em um poema e encontrada
no próprio peito. Chave do enigma de uma vida estagnada que precisava apenas de
uma ideia para desbravar novos caminhos. Mais adiante, um homem, que depois de
carregar por tanto tempo um molho de chaves, fugiu de sua realidade. Maria
Isabel de Mendonça Soares não o deixou esquecer seu passado e foi “Aquela
chave” levada pelo cão que o fizera voltar para casa, para os braços da esposa.
Em um desses casos de “Vidas desencontradas”, localizei
Maria Isabel Loureiro que falava da chave do portão por onde passava lembranças
de um passado que não se concretizou. A mesma chave que fechou sua vida
levando-a a viver outra realidade, outra história. E como esquecer “A matança
do porco cilindro”, em que as chaves serviram para quebrar tradições e ensinar
que o poder independe de forças exteriores, como conta Maria João Gonçalves. O
poder está dentro de cada um.
Essa caminhada, cada vez mais longa, levou-me até
“A auxiliar”, uma história fantasiosa de Maria João Saraiva de Menezes. Uma
mulher explorada, levada a loucura e uma chave inútil, desnecessária, que
fechava o apartamento, mas deixava-se passar. Compensando os descaminhos,
encontrei Pedro Jardim mostrando-me três chaves que revelavam o valor do
abraço, do amor próprio e o sentido da vida. Era preciso apenas encontrar “A
chave da existência”.
Um pouco mais adiante, a surpresa foi descobrir com
Maria Mamede uma chave de ferro que fez parte de muitas brincadeiras e
proporcionava risos soltos e muita alegria, tudo registrado na “Carta ao
Tonico”. Também localizei, de maneira
singular, “As chaves da paciência abre as portas da glória”. Essa chave,
revelada por Paula Teixeira de Queiroz, abre a possibilidade de encantar-nos
com as coisas pequenas e esperar por momentos de glória, como um simples
desabrochar de uma flor.
Durante minhas andanças, um encontro muito bonito,
foi com o “Sonho de um caipira”. Nilce Coutinho nos leva a acompanhar belas
ilusões e a luta por uma vida mais digna. Após aspirações e desenganos, a
concretização do sonho de uma família: a chave de uma casa, melhores condições
de vida. Depois acompanhei Paulo Jorge Almeida quando encontrou uma chave,
média, enferrujada e com ela pôs-se a caminho tentando encontrar a porta que
ela abriria. A perseverança na caminhada levou-o a descobrir, em um sonho, a liberdade.
Quando acordou, descobriu que, na realidade, precisava “Fechar a porta à
chave”.
Já cansada da caminhada, alegrei-me ao encontrar “A
chave sem relógio”. Uma imensa variedades de chaves e aquela chave especial, a
mais pura e genuína, que, segundo Sofia Ribeiro Fernandes, abre o coração e
ensina a esquecer a correria do tempo, imposta pelo relógio, e a ser muito
feliz. A seguir fiquei mais encantada ainda ao encontrar José Alberto Sá perto
de “Uma porta aberta”. Aquela porta não precisava de nenhuma chave material
para abri-la: nem chave de ouro, nem de prata, nem de ferro; mas sim, a chave
dos sentimentos.
Percebi que minha busca estava chegando ao fim
quando encontrei Wilson de Carvalho Costa que já havia experimentado a sensação
de várias chaves: chave dos sonhos, chave que aprisiona o coração, e aquela
chave de bronze toda trabalhada que o levou a vários lugares procurando alguém.
Foi, porém, “A chave do coração” que o ajudou a se libertar e a acreditar no
amor e nas coisas incríveis da vida.
Assim cheguei ao fim da minha peregrinação.
Pensando em tudo que vi e vivi, percebi que não é preciso ir muito longe à
procura de uma chave específica, molho de chaves, sete chaves ou chaves douradas,
prateadas. A chave de que mais precisamos estará sempre em nosso poder. É
aquela que abre o nosso coração para as coisas simples da vida. Que nos ensina
a viver, a ser feliz e a espalhar a paz, o amor, a solidariedade, a
fraternidade e a igualdade por todos os lugares, tantos quantos conseguirmos. A
verdadeira chave é a que abre a porta da existência e nos ensina que a vida só
tem sentido quando é partilhada.
Luisa Garbazza
30 de outubro de 2013
Muito interessante o caminho desvendado por cada uma das nossas chaves.
ResponderExcluirParabéns! e obrigada pelo carinho.
Se me permites, vou levar para o meu blog.
Beijos
Obrigada pelo comentário.
ResponderExcluirPara mim foi fantástico percorrer esse caminho.
Beijos.
*Permitido!
Ler é mesmo um caminhar. Achei fantástica a sua sensibilidade de captar a essência de cada texto. Quero terminar de ler todos os contos e depois voltar aqui.
ResponderExcluirParabéns, minha irmã!
Muito obrigada, Regina!
ResponderExcluirFico feliz que tenha gostado.
Sua opinião é muito importante para mim.
Beijinho.
(Que bom que aprendeu a postar comentários. rsrsrsrsrsrs)