terça-feira, 23 de maio de 2017

A sexta-feira na devoção popular

O povo simples de Bom Despacho, cidade nascida sob o olhar protetor de Nossa Senhora, vem mostrando, desde o início, a sua fé em Deus – uno e trino. Essa fé, que cresceu e se espalhou, é vivenciada com demonstrações variadas, como a Santa Missa, a reza do terço e as tradicionais novenas. No entanto a manifestação que sempre se destaca no cotidiano do bom-despachense é a devoção à sexta-feira.
Primeiramente, destaco a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, renovada a cada primeira sexta-feira do mês. Lembro-me dos relatos de minha mãe, que morava na zona rural e vinha todo mês para fazer a novena das nove sextas feiras. Ela contava que vinha gente de todos os lugares. Às vezes, como mostra seu próprio exemplo, a caminhada era longa: léguas de distância. Mas, impulsionada pela fé, trilhava os caminhos com a alma leve, sem se importar com o cansaço nas pernas, provocado pelo peso do corpo. Depois de casada, quantas vezes fez esse trajeto carregando filho pequeno, sacolas e uma mala de roupas na cabeça. Oferecia a Deus o sacrifício e rumava para a cidade. O objetivo era sempre o mesmo: adorar Jesus no Santíssimo Sacramento e receber a Sagrada Comunhão. Guardou essa devoção pela vida inteira, enquanto teve forças para caminhar. E muitos são os que seguiram e ainda seguem esse ato religioso, mesmo passando por sacrifícios, principalmente os membros do Apostolado da Oração.
Os católicos bom-despachenses da minha geração, participamos, por muitos anos, dessa celebração, geralmente realizada pelo Padre Jayme, na época das confissões comunitárias. Às dezoito horas, começava a adoração ao Santíssimo Sacramento. A igreja ficava pequena para receber tantos fiéis, que iam se aglomerando e se acomodando em todos os espaços disponíveis. Às dezoito horas e trinta minutos, fechavam-se as portas e iniciava-se a celebração comunitária da penitência. Colocava-se uma gravação com uma belíssima reflexão sobre os dez mandamentos. Depois o Padre Jayme, com palavras sábias, firmes e significativas, levava-nos a meditar sobre a nossa própria vida. O coração exultava e a alma ficava leve quando recebíamos a absolvição. Com o passar do tempo, a divisão de paróquias e o corte das confissões comunitárias, a celebração tomou uma proporção menor. Não em importância, mas em número de fiéis.
Outra demonstração de fé, ainda mais forte, que acontece às sextas-feiras, e nem o tempo, nem a divisão de paróquias conseguiram enfraquecer, é a noite da Sexta-feira Santa, popularmente chamada de Sexta-feira da Paixão. O que acontece nesse dia é mágico, ou, melhor dizendo, divino. Às dezoito horas, ao começar a Via-sacra, a igreja já está cheia. Quando terminamos a Via-sacra e saímos da igreja, deparamos com a praça, em frente à porta principal, onde se encontra o Cristo crucificado, repleta de fiéis. E não param de chegar. Vindo de todos os lados, vão se ajuntando no entorno da praça, pois o largo em frente ao templo não comporta a grande multidão que ali se forma. As palavras do padre e o canto da Verônica são ouvidos com atenção e respeito. O silêncio daqueles momentos, a despeito do mar de pessoas presentes, também é divino. A saída da procissão é morosa; os passos, minúsculos. Ninguém tem pressa: a causa é nobre. O caminho é percorrido com tranquilidade, iluminado pelas velas e embalado por músicas e orações.
         Quem acompanha a movimentação até o final, presencia um fenômeno explicado apenas à luz da fé: quando a imagem do Senhor morto é depositada em frente ao altar, bem no centro da igreja, começa o cortejo para beijá-lo, tocar na coroa de espinhos e recolher um pouco dos ramos bentos colocados no esquife. É um caminhar lento, demorado e silencioso. Leva-se muito tempo até transpor todo o corredor da Matriz. Mas ninguém sai da fila, impacienta-se ou demonstra cansaço. Vale a pena o sacrifício para se aproximar de Jesus. Lá da frente, próximo ao altar, fico observando, feliz e admirada, aquele cordão humano que parecia não ter fim. E agradeço a Deus pela oportunidade de presenciar tamanha manifestação de fé.

Luisa Garbazza 
Publicação do mês de maio
Jornal Paróquia N. Sra. do Bom Despacho

Nenhum comentário:

Postar um comentário