domingo, 16 de novembro de 2014

Noite alta




Vozes esparsas, vindas da rua, chegam-lhe aos ouvidos.
A madrugada aproxima-se mansamente.
A mente, que não para, contraria o corpo entregue ao cansaço.
A insônia é saudada pelo som agudo da saracura:
“Três potes! Três potes! Três potes!”
Canta repetidas vezes... Para... Retorna...
Intercala sons e silêncios
em intervalos cuidadosamente ensaiados.
A cabeça entra no ritmo e espera o próximo acorde.
Vez ou outra é enganada pela quebra criativa dos sons:
“Três potes! Três potes! Pote, pote, pote, pote!”
A mente reprograma e aguarda as novas notas.

Nos intervalos maiores,
aproveita para analisar seus próprios dramas.
Fecha os olhos, aperta, priva-os da ausência de luz: nada consegue.
Abre-os novamente, vira e revira na cama:
o sono não vem.
A saracura exibe seus trinados mais uma vez.
Um reflexo, ainda ofuscado, entra pela fresta da cortina.
Reconhece a presença morna que vem se aproximando.
Abandona a luta vã:
salta da cama e aproxima-se da janela.
As trevas estão abandonando a rua.
A saracura, depois do plantão noturno,
recolhe-se ao seu sossego.
A realidade não deixa por menos:
agora é o corpo que não para,
contrariando a mente entregue ao cansaço.
O novo dia, que chega reivindicando seus direitos,
saúda o sol que explode no horizonte.
Luisa Garbazza
                                   Madrugada de 15 de novembro de 2014

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