Minha amada Bom
Despacho, cidade hospitaleira, está se tornando centenária. Quanto tempo
passado! Quantas pessoas fizeram parte de sua história! E quantas histórias
nesses cem anos de emancipação! Os holofotes estão todos voltados para seus
encantos, seus filhos ilustres – ou nem tanto, seu desenvolvimento e seu
futuro. São encontros, visitas importantes, livros de reminiscências,
coletâneas de fotos significativas, projetos para um amanhã mais promissor... Muitos
querem deixar sua marca nesse acontecimento tão festejado.
Nos guardados de
minha memória, a cidade de minha infância volta à tona em alguns costumes,
fatos notáveis e personagens populares. Morava em um sítio no entorno urbano e,
em minha pequenez, quando andava por suas praças e ruas, a cidade se agigantava
e me fascinava.
Minha primeira
lembrança é da imponente Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bom Despacho – maior
cartão-postal da cidade – templo católico que ainda deslumbra os que o veem
pela primeira vez. Desde muito cedo minha mãe nos conduzia, meus irmãos e eu,
aos domingos, para louvar a Deus participando da Santa Missa, devoção que me
acompanhou pela vida e permanece.
Como sempre
tivemos, os tipos populares que aqui viviam na época de minha infância foram
bem marcantes, ora provocando risos, ora causando medo ou tristeza. O mais
famoso era o “Romeu das latinhas”, que andava com umas roupas estranhas e,
nunca soube por que, sempre carregava latinhas consigo. Havia o “João Sapato”
que ficava repetindo o próprio nome – pra falar a verdade eu não entendia nada
do que ele dizia. A “piriguete” da atualidade estava presente na pessoa da
“Futrica”, que sempre andava com umas roupas excêntricas e usava muita
maquiagem. Outra que conheci e que me causava medo era uma senhora mais velha
que morava em um casebre no início da subida da Rua Cruz do Monte. Usava umas
roupas estranhas, tinha a casa cheia de gatos – dizem que ela os comia – e era
por nós chamada de “Sá Dona daqui”. Nunca soubemos seu nome. Ainda havia
outros, porém não deixaram marcas.
Nós bom-despachenses
sempre lembramos os filhos dignos que aqui viveram: médicos, padres, militares,
políticos, professores e tantos outros. O cidadão mais ilustre que minha mente
infantil arquivou foi o médico Dr. Roberto de Melo Queiroz. Meus pais trabalharam
na fazenda dele e convidaram-no, juntamente com sua esposa, Dona Joesse – que
não conheci – para batizar meu irmão. Por muitos anos eles foram nossos “anjos
da guarda”. Lembro-me de algumas ocasiões – outras sei por relatos de minha mãe
– que fomos atendidos por ele e medicados em seu consultório ou em sua casa,
sem cobrança de honorários, pois nossa situação financeira era precária. Merece
minha homenagem e gratidão.
Igualmente, lembro-me
meus primeiros passos na essência para uma vida honrada – a educação. Iniciei
meus estudos na Escola Estadual Martinho Fidélis que na época funcionava em um
velho casarão localizado em plena Praça da Matriz, ao lado do Escritório
Paroquial, onde hoje funcionam várias lojas, como a Livraria Roda-Viva. Sempre
fui amiga das letras. Meu primeiro dia de aula foi inesquecível. Minha primeira
professora – Dona Zélia Diniz – também. O primeiro grande acontecimento de
minha vida estudantil foi uma excursão à Praça da Estação. Naquela época havia
a Estação Ferroviária. E ainda havia trens que enchiam nossos olhos curiosos.
Um fato curioso da
cultura da época que às vezes relembro era o modo como publicavam as notas de
falecimento. Imprimiam, em folhas brancas, os dados necessários sobre o
ocorrido e alguém as distribuía de casa em casa. Se não tivesse ninguém a folha
era deixada na porta. Colocavam também nos comércios. Quando voltava da escola
e havia falecido alguém, gostava de levar o panfleto para minha mãe e ver se
ela conhecia a pessoa.
Guardo também, com
orgulho, lembranças da construção da atual Praça da Matriz. Projeto esplêndido.
Algumas vezes parei para observar o árduo trabalho dos operários – meu irmão,
inclusive – ao colocar as pequenas pedrinhas que formam o piso da praça.
Aqueles mosaicos montados com a mistura de pedras brancas e escuras provocam um
efeito artístico muito interessante. Participei de muitas brincadeiras naqueles
“caminhos”.
Contudo, o que marcou
de forma primorosa, não só minha infância, mas também a adolescência, foi o Cine
Regina. Majestoso, enorme, gerador de fantasias e sonhos. No início, as matinês,
que enriqueciam as tardes de domingo. Depois, as sessões noturnas com filmes
variados que ora me deixava emocionada, ora agitada, outras vezes com medo ou
enternecida. Tornou-se companhia inseparável e por vários anos proporcionou-me noites
de imaginação e alegria. Faz muita falta.
Muitos anos se
passaram. Outros acontecimentos, outras pessoas se destacando, mais progresso...
Mas essa época ficará sempre registrada em minha memória, pois marcou os
primeiros ensaios de minha trajetória e acompanhou-me até me tornar uma cidadã
consciente e agradecida à cidade que me acolheu e me viu crescer.
Parabéns, Bom
Despacho! Tomara que você se torne cada vez mais hospitaleira, humanizada e
protegida pelo manto sagrado de Nossa Senhora do Bom Despacho, sua padroeira.
Luisa
Garbazza - 06 de maio de 2012
Crônica publicada originalmente no Jornal "Paróquia", da Paráquia Nossa Senhora do Bom Despacho, no mês de maio.
Minha homenagem ao centenário de nossa querida Bom Despacho.
Parabens Luiza. Amei cada detalhe. O que marcou sua vida marcou tbem a minha!!!
ResponderExcluirBjus,
Lourdinha
Obrigada, Lourdinha!
ResponderExcluirTempos bons aqueles!...
Estão vivos em nossa memória. E na de muitas pessoas.
Vamos partilhando uns com os outros.