domingo, 6 de maio de 2012

Bom Despacho centenária


 Minha amada Bom Despacho, cidade hospitaleira, está se tornando centenária. Quanto tempo passado! Quantas pessoas fizeram parte de sua história! E quantas histórias nesses cem anos de emancipação! Os holofotes estão todos voltados para seus encantos, seus filhos ilustres – ou nem tanto, seu desenvolvimento e seu futuro. São encontros, visitas importantes, livros de reminiscências, coletâneas de fotos significativas, projetos para um amanhã mais promissor... Muitos querem deixar sua marca nesse acontecimento tão festejado.
Nos guardados de minha memória, a cidade de minha infância volta à tona em alguns costumes, fatos notáveis e personagens populares. Morava em um sítio no entorno urbano e, em minha pequenez, quando andava por suas praças e ruas, a cidade se agigantava e me fascinava.
Minha primeira lembrança é da imponente Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bom Despacho – maior cartão-postal da cidade – templo católico que ainda deslumbra os que o veem pela primeira vez. Desde muito cedo minha mãe nos conduzia, meus irmãos e eu, aos domingos, para louvar a Deus participando da Santa Missa, devoção que me acompanhou pela vida e permanece.
Como sempre tivemos, os tipos populares que aqui viviam na época de minha infância foram bem marcantes, ora provocando risos, ora causando medo ou tristeza. O mais famoso era o “Romeu das latinhas”, que andava com umas roupas estranhas e, nunca soube por que, sempre carregava latinhas consigo. Havia o “João Sapato” que ficava repetindo o próprio nome – pra falar a verdade eu não entendia nada do que ele dizia. A “piriguete” da atualidade estava presente na pessoa da “Futrica”, que sempre andava com umas roupas excêntricas e usava muita maquiagem. Outra que conheci e que me causava medo era uma senhora mais velha que morava em um casebre no início da subida da Rua Cruz do Monte. Usava umas roupas estranhas, tinha a casa cheia de gatos – dizem que ela os comia – e era por nós chamada de “Sá Dona daqui”. Nunca soubemos seu nome. Ainda havia outros, porém não deixaram marcas.
Nós bom-despachenses sempre lembramos os filhos dignos que aqui viveram: médicos, padres, militares, políticos, professores e tantos outros. O cidadão mais ilustre que minha mente infantil arquivou foi o médico Dr. Roberto de Melo Queiroz. Meus pais trabalharam na fazenda dele e convidaram-no, juntamente com sua esposa, Dona Joesse – que não conheci – para batizar meu irmão. Por muitos anos eles foram nossos “anjos da guarda”. Lembro-me de algumas ocasiões – outras sei por relatos de minha mãe – que fomos atendidos por ele e medicados em seu consultório ou em sua casa, sem cobrança de honorários, pois nossa situação financeira era precária. Merece minha homenagem e gratidão.
Igualmente, lembro-me meus primeiros passos na essência para uma vida honrada – a educação. Iniciei meus estudos na Escola Estadual Martinho Fidélis que na época funcionava em um velho casarão localizado em plena Praça da Matriz, ao lado do Escritório Paroquial, onde hoje funcionam várias lojas, como a Livraria Roda-Viva. Sempre fui amiga das letras. Meu primeiro dia de aula foi inesquecível. Minha primeira professora – Dona Zélia Diniz – também. O primeiro grande acontecimento de minha vida estudantil foi uma excursão à Praça da Estação. Naquela época havia a Estação Ferroviária. E ainda havia trens que enchiam nossos olhos curiosos.
Um fato curioso da cultura da época que às vezes relembro era o modo como publicavam as notas de falecimento. Imprimiam, em folhas brancas, os dados necessários sobre o ocorrido e alguém as distribuía de casa em casa. Se não tivesse ninguém a folha era deixada na porta. Colocavam também nos comércios. Quando voltava da escola e havia falecido alguém, gostava de levar o panfleto para minha mãe e ver se ela conhecia a pessoa. 
Guardo também, com orgulho, lembranças da construção da atual Praça da Matriz. Projeto esplêndido. Algumas vezes parei para observar o árduo trabalho dos operários – meu irmão, inclusive – ao colocar as pequenas pedrinhas que formam o piso da praça. Aqueles mosaicos montados com a mistura de pedras brancas e escuras provocam um efeito artístico muito interessante. Participei de muitas brincadeiras naqueles “caminhos”.
Contudo, o que marcou de forma primorosa, não só minha infância, mas também a adolescência, foi o Cine Regina. Majestoso, enorme, gerador de fantasias e sonhos. No início, as matinês, que enriqueciam as tardes de domingo. Depois, as sessões noturnas com filmes variados que ora me deixava emocionada, ora agitada, outras vezes com medo ou enternecida. Tornou-se companhia inseparável e por vários anos proporcionou-me noites de imaginação e alegria. Faz muita falta.
Muitos anos se passaram. Outros acontecimentos, outras pessoas se destacando, mais progresso... Mas essa época ficará sempre registrada em minha memória, pois marcou os primeiros ensaios de minha trajetória e acompanhou-me até me tornar uma cidadã consciente e agradecida à cidade que me acolheu e me viu crescer.
Parabéns, Bom Despacho! Tomara que você se torne cada vez mais hospitaleira, humanizada e protegida pelo manto sagrado de Nossa Senhora do Bom Despacho, sua padroeira. 

Luisa Garbazza - 06 de maio de 2012

Crônica publicada originalmente no Jornal "Paróquia", da Paráquia Nossa Senhora do Bom Despacho, no mês de maio.
Minha homenagem ao centenário de nossa querida Bom Despacho.
                  

2 comentários:

  1. Parabens Luiza. Amei cada detalhe. O que marcou sua vida marcou tbem a minha!!!



    Bjus,
    Lourdinha

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  2. Obrigada, Lourdinha!
    Tempos bons aqueles!...
    Estão vivos em nossa memória. E na de muitas pessoas.
    Vamos partilhando uns com os outros.

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