quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Algazarra matinal



Ainda estava sonolenta quando fui compelida a abrir os olhos esta manhã. Pelo vidro da janela, vejo que os primeiros raios do sol afugentam paulatinamente o negrume da noite que recua aos poucos e cede a vez para a aquarela diversificada da mãe natureza. Os ouvidos não tardam a captar os sons causadores do despertar tão precoce: as barulhentas maritacas.
Preguiçosamente, abro a janela e percebo o movimento delas em uma mangueira no quintal vizinho.
 __ Kra! Kra! diz uma delas timidamente.
__ Kra! Kra! Kra! responde a outra.
Outro Kra! fez-se ouvir logo em seguida. Depois, alguns instantes de silêncio. Afastei-me da janela e fui cuidar da rotina. É comum o diálogo barulhento das maritacas no começo da manhã e ao entardecer. Mas logo percebi que havia algo diferente.
Alguns momentos depois, o diálogo recomeçou. “Kra!” uma gritou bem alto. Um “Kra! Kra!” quase silencioso foi a resposta. Apareceu uma terceira voz em tom de desespero: “Kra! Kra! Kra! Kra!” Então uma cena inusitada inundou a manhã quente de final de agosto: uma chuva de Kra-kras irrompeu pelos ares ensurdecendo os ouvidos mais sensíveis.
 Aproximei-me novamente da janela. Os olhos se iluminaram ao focalizar a aquela cena. Não havia uma, duas ou três maritacas, mas muitas e em toda a extensão da mangueira. Pude presenciar ainda a chegada de mais três pequenos bandos. Eram dezenas delas agora. Agitadas, querendo “falar” todas ao mesmo tempo, faziam uma confusão de sons ininteligíveis e ruidosos.
A prosa continuou por um bom tempo. Depois o silêncio tomou seu lugar novamente. Tudo quieto. Nenhum som, nenhum movimento. Parece que haviam chegado a um acordo.
Continuei olhando a mangueira e notei que algumas delas voaram e foram pousar bem no alto, no galhinho mais fino, e, juntinhas, soltaram seus Kra-kras. Outra respondeu do outro lado e voou para mais perto. Era o início de uma nova discussão – ou brincadeira, cantoria ou algo específico do universo das aves. Impressionante como todas começaram a falar ao mesmo tempo. Vários tons de Kra-kras foram entoados. Uns mais altos, outros mais baixos; uns mais estridentes, outros mais comedidos; uns breves e alguns bem prolongados. O som característico era o único sinal da presença delas ali, pois as penas verdes, camufladas ente as folhas, deixavam-nas imperceptíveis. De quando em quando, voos curtos denunciavam a presença de algumas.
Logo a frequência de sons foi diminuindo. Um ou outro Kra! Kra! ainda era ouvido. O silêncio agora era provocado por um intruso: um bem-te-vi, que pousou bem no alto e enredou:
__ Bem-te-vi! Bem-te-vi! Bem-te-vi!
Estranha foi a reação das maritacas. Todas responderam prontamente. Mas não queriam intimidade. Bateram asas e levantaram voo. Por alguns instantes, pintaram o céu de verde. Depois, rapidamente, foram se afastando da mira de minhas retinas.
A mangueira recuperou sua calma e seu silêncio. Nenhuma brisa havia para mover suas folhas. O pássaro, causador da debandada, continuou ali por um longo tempo, ostentando seu peito amarelo e dizendo a tudo e a todos:
__ Bem-te-vi! Bem-te-vi!
Luisa Garbazza
27 de agosto de 2014

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