terça-feira, 31 de julho de 2012

Diagnósticos II

              As quedas da vida

  A vida é mesmo imprevisível. De um instante a outro tudo se transforma. Algumas vezes nem conseguimos assimilar o que realmente provocou aquele imprevisto que tanto alterou nosso dia a dia. Ainda mais quando nos deparamos com obstáculos que independem de nosso esforço, de nosso conhecimento ou de nossas experiências.
           Um desses percalços veio emaranhar minha rotina dificultando a execução de tarefas. Em uma viagem noturna a uma cidade vizinha, andando devagar, na companhia de meu filho e de outras pessoas conhecidas, em uma rua com calçamento irregular, vi-me repentinamente estirada no chão. Não sei explicar o que aconteceu nem o que causou aquela queda. Simplesmente caí. No instante seguinte, meu filho ajudou-me a levantar e várias pessoas se aproximaram para ver se estava tudo bem. Fiquei alguns minutos sem respirar tamanha a dor que eu sentia, mas me recompus logo após. “Está tudo bem.” Consegui andar com tranquilidade, apenas com um leve arranhão na perna. Contudo, no instante seguinte, senti uma dor aguda em minha mão direita. Levantei o braço e percebi que um pequeno inchaço já se formava na altura do pulso. Fiquei com o braço erguido e continuei o caminho.
Por algum tempo consegui disfarçar o sofrimento, mas meu braço estava muito machucado e inchou bastante. Por isso, tivemos que retornar antes do previsto para procurar ajuda médica. Chegamos ao Pronto Atendimento por volta das onze horas da noite. Havia várias pessoas na portaria, porém não demorou muito para eu ser atendida. A médica deu uma olhadinha básica e disse que não podia fazer nada no momento. Receitou um anti-inflamatório, pediu à enfermeira que enfaixasse meu braço e disse-me para voltar no dia seguinte.
No outro dia, uma manhã de sábado, meu filho levou-me novamente ao hospital. Depois de uma espera angustiante, fui chamada para fazer uma radiografia. Outra espera até que o médico pudesse avaliar o resultado. Dois médicos – clínicos – olharam o exame e disseram que havia fratura. Deram-me um encaminhamento para eu voltar domingo – quando haveria um ortopedista de plantão para tomar as devidas providências.
Domingo de manhã, começou tudo outra vez: chegar ao hospital – fazer uma ficha para atendimento – aguardar o médico chegar – aguardar minha vez de ser atendida – levar a radiografia para o médico avaliar – ouvir o diagnóstico: “Não está quebrado. Aqui parece que tem uma fratura, mas não tem. Pode ficar tranquila. Vai demorar um pouco para ficar bom, pois machucou bastante. Continue com o medicamento e põe gelo.” 
      Havia apenas uma atitude a tomar: ir embora para casa. Apesar da dor e da impossibilidade de movimentar a junta da mão, convenci-me de que não havia nada a fazer. Fui avaliada por uma especialista. – Somos leigos nessa área do conhecimento. Precisamos confiar nos profissionais.
        Assim, passaram-se dias, semanas e nada de melhoras. As pessoas sempre me indagando sobre a permanência da faixa em meu braço. Comecei a ficar preocupada. A dor persistia, o inchaço pouco diminuiu e os movimentos continuavam restritos. Resolvi então procurar outro médico. Fui ao meu clínico de confiança e pedi orientação. Ele sugeriu-me outra radiografia. Quando a consegui, o próprio radiologista viu que meu braço não estava normal. “Se eu fosse você eu nem esperava o laudo do exame. Procuraria direto um ortopedista. Pela experiência que tenho eu digo a você que seu braço está quebrado.”
        Ainda demorou alguns dias para eu conseguir uma consulta com outro ortopedista – agendas cheias, licenças, serviço público em protesto. Quando fui atendida, havia já um mês que eu estava com a mão machucada. Ali, durante a consulta, comprovou-se a fala do radiologista: “Está quebrado.” Todas as radiografias, inclusive a primeira, mostravam a fratura.
“Infelizmente, talvez o médico fosse inexperiente e não constatou a fratura. Ainda bem que o osso não saiu do lugar. Vamos imobilizar seu braço agora mesmo.”
         Saí da clínica um tanto decepcionada. Desiludida por pensar no tempo que ainda ficarei com a mão imobilizada; por refletir no transtorno que um diagnóstico errado pode causar na vida de uma pessoa – e não é a primeira vez comigo; por perceber a falta de preparo de alguns profissionais, que deveriam questionar suas dúvidas antes de prejudicar alguém dando tamanha certeza de sua análise; por constatar o descaso com a saúde pública em minha cidade, que não tem aparato suficiente nem para certificar uma fratura e tomar as devidas providências.
Por tudo isso, fico meditando sobre o quanto é importante aprendermos a fazer as coisas bem feitas, aprimorando cada vez mais nossos conhecimentos profissionais, principalmente se a vida dos nossos semelhantes estiver envolvida. E compreendo com mais profundidade a fragilidade do ser humano, que depende do outro sempre, e, às vezes, age como se o outro nem existisse, ou vivesse apenas para servir aos seus propósitos. 

Luisa Garbazza, 31 de julho de 2012

Nenhum comentário:

Postar um comentário