domingo, 15 de julho de 2012

Pureza de coração


            “Felizes os puros de coração, porque verão a Deus.”
            Na literatura é muito bonito, mas na realidade, principalmente esta em que vivemos, tão desigual, é difícil entendermos bem o verdadeiro significado dessa frase de Jesus. Quem são os puros de coração? O que fazer para nos assemelhar a esse grupo? Há de ser bem mais que fazer caridade ou participar da comunidade. Isso é fácil e muitas vezes até prazeroso.
            Jesus, em sua condição humana, deixou-nos como modelo o jeito mais puro e perfeito de viver: sendo manso e humilde de coração.
Na história da humanidade nos deparamos com vários exemplos de seguidores de Jesus dando continuidade aos seus ensinamentos e tornando-se também modelos de pureza e mansidão. Alguns que se tornaram conhecidos, como São Francisco de Assis, Madre Tereza de Calcutá, Irmã Dulce e João Paulo II, e tantos outros, anônimos, que se tornaram anjos na vida dos mais sofridos.
            Na nossa história também presenciamos momentos de extrema pureza mostrando-nos que é possível seguir os passos de Jesus. Durante as barraquinhas, no mês de maio, testemunhei um instante desses. Após a missa, muitas pessoas foram se aglomerando no local e a animação era grande. Transformou-se em um momento de confraternização, de conversa amiga, de brincadeiras, que foi se estendendo pela noite. No vaivém das pessoas, nos encontros, nos abraços, ia fortalecendo os laços de amor fraterno tão divulgado no cristianismo.
Um tempo depois, afastei-me um pouco e sentei-me na borda de um canteiro da praça, ao lado de um casal conhecido. Pessoas de uma simplicidade tamanha, dessas que amolecem o coração. Ali não importa beleza, riqueza ou aparência; precisa apenas de um sorriso nos lábios e um pouco de boa vontade. Tudo o mais se torna supérfluo. A mulher humilde se agiganta em sua singeleza, em seus trajes simples, em sua fala despreocupada. O que senti foi que ali havia alguém puro de coração.
Poucos minutos de conversa e vejo aproximar uma mocinha. Pude perceber que era a filha dessa senhora. Chegou sem dar muita importância, com certa reserva. O pai logo foi comprar cachorro-quente para agradá-la. A mãe, toda preocupada, perguntando coisas, querendo saber novidades. Porém, por mais que se esforçasse, só recebia monossílabos. Em dado momento ela tirou do bolso uma sacolinha plástica com algumas balas e com carinho entregou à filha. “Guardei pro E.” Não consegui assimilar o comportamento da garota. Ela abriu a sacola, e reclamou ao ver seu conteúdo. “Só isso?” A mãe, sem jeito: “Eu dei uma prum menino, ele deixou a bala cair e tive que dar outra.” A menina, em um gesto até brusco, jogou a sacolinha no colo da mãe, que continuava sentada na beirada do canteiro, e deu-lhe as costas. Sem nenhuma reação negativa, a mulher dirigiu-se a mim: “A gente guarda as balinhas com tanto carinho. Olha o que ela faz!” Percebi uma pontinha de decepção naquela fala. Fiquei muito sem graça com a situação e respondi para que ela não se preocupasse com aquilo. “Jovem é assim mesmo.” Mas sei que foram palavras vazias, sem nenhum efeito. Nem eu me convenci do que havia falado. Como não se preocupar? Mães assim vivem em prol dos filhos e querem agradá-los sempre, vê-los sorrindo, de bem com a vida.  O contrário é sempre motivo de desapontamento.
A senhora se levantou e voltou a conversar com a menina. Em instantes o pai chegou com o cachorro-quente e eles se afastaram para ir embora. Na despedida ainda pude olhá-la nos olhos e constatar que não havia sobrado nem uma sombra. Em seu coração, ingênuo talvez, não há lugar para mágoa nem tristeza. Saiu feliz, ao lado do marido e da filha como se fossem as pessoas mais importantes da terra.
Em mim ficou uma ternura muito grande por aquela mulher tão simples, tão generosa. Pessoas assim, aparentemente tão humildes, possuem sabedoria suficiente para serem felizes com tão pouco e têm muito a nos ensinar. É a história dos lírios do campo, tão verdadeira e que temos tanta dificuldade em assimilar. Aos poucos vamos aprendendo a ver, em pequenos episódios que se apresentam diante de nossos olhos, lições de vida, de gratuidade, de doação sem limite, que traduzem a essência da vida.
Luisa Garbazza – 24 de junho de 2012

* Versão para ser publicada no jornal “Informativo Igreja Viva” - Paróquia Nossa Senhora do Rosário - julho de 2012.

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