“Felizes os puros de coração,
porque verão a Deus.”
Na literatura é muito bonito, mas na
realidade, principalmente esta em que vivemos, tão desigual, é difícil
entendermos bem o verdadeiro significado dessa frase de Jesus. Quem são os
puros de coração? O que fazer para nos assemelhar a esse grupo? Há de ser bem
mais que fazer caridade ou participar da comunidade. Isso é fácil e muitas
vezes até prazeroso.
Jesus, em sua condição humana,
deixou-nos como modelo o jeito mais puro e perfeito de viver: sendo manso e
humilde de coração.
Na
história da humanidade nos deparamos com vários exemplos de seguidores de Jesus
dando continuidade aos seus ensinamentos e tornando-se também modelos de pureza
e mansidão. Alguns que se tornaram conhecidos, como São Francisco de Assis,
Madre Tereza de Calcutá, Irmã Dulce e João Paulo II, e tantos outros, anônimos,
que se tornaram anjos na vida dos mais sofridos.
Na nossa história também
presenciamos momentos de extrema pureza mostrando-nos que é possível seguir os
passos de Jesus. Durante as barraquinhas, no mês de maio, testemunhei um
instante desses. Após a missa, muitas pessoas foram se aglomerando no local e a
animação era grande. Transformou-se em um momento de confraternização, de
conversa amiga, de brincadeiras, que foi se estendendo pela noite. No vaivém
das pessoas, nos encontros, nos abraços, ia fortalecendo os laços de amor
fraterno tão divulgado no cristianismo.
Um
tempo depois, afastei-me um pouco e sentei-me na borda de um canteiro da praça,
ao lado de um casal conhecido. Pessoas de uma simplicidade tamanha, dessas que
amolecem o coração. Ali não importa beleza, riqueza ou aparência; precisa
apenas de um sorriso nos lábios e um pouco de boa vontade. Tudo o mais se torna
supérfluo. A mulher humilde se agiganta em sua singeleza, em seus trajes
simples, em sua fala despreocupada. O que senti foi que ali havia alguém puro
de coração.
Poucos
minutos de conversa e vejo aproximar uma mocinha. Pude perceber que era a filha
dessa senhora. Chegou sem dar muita importância, com certa reserva. O pai logo
foi comprar cachorro-quente para agradá-la. A mãe, toda preocupada, perguntando
coisas, querendo saber novidades. Porém, por mais que se esforçasse, só recebia
monossílabos. Em dado momento ela tirou do bolso uma sacolinha plástica com
algumas balas e com carinho entregou à filha. “Guardei pro E.” Não consegui
assimilar o comportamento da garota. Ela abriu a sacola, e reclamou ao ver seu
conteúdo. “Só isso?” A mãe, sem jeito: “Eu dei uma prum menino, ele deixou a
bala cair e tive que dar outra.” A menina, em um gesto até brusco, jogou a
sacolinha no colo da mãe, que continuava sentada na beirada do canteiro, e
deu-lhe as costas. Sem nenhuma reação negativa, a mulher dirigiu-se a mim: “A
gente guarda as balinhas com tanto carinho. Olha o que ela faz!” Percebi uma
pontinha de decepção naquela fala. Fiquei muito sem graça com a situação e
respondi para que ela não se preocupasse com aquilo. “Jovem é assim mesmo.” Mas
sei que foram palavras vazias, sem nenhum efeito. Nem eu me convenci do que
havia falado. Como não se preocupar? Mães assim vivem em prol dos filhos e
querem agradá-los sempre, vê-los sorrindo, de bem com a vida. O contrário é sempre motivo de
desapontamento.
A
senhora se levantou e voltou a conversar com a menina. Em instantes o pai
chegou com o cachorro-quente e eles se afastaram para ir embora. Na despedida
ainda pude olhá-la nos olhos e constatar que não havia sobrado nem uma sombra.
Em seu coração, ingênuo talvez, não há lugar para mágoa nem tristeza. Saiu
feliz, ao lado do marido e da filha como se fossem as pessoas mais importantes
da terra.
Em
mim ficou uma ternura muito grande por aquela mulher tão simples, tão generosa.
Pessoas assim, aparentemente tão humildes, possuem sabedoria suficiente para
serem felizes com tão pouco e têm muito a nos ensinar. É a história dos lírios
do campo, tão verdadeira e que temos tanta dificuldade em assimilar. Aos poucos
vamos aprendendo a ver, em pequenos episódios que se apresentam diante de
nossos olhos, lições de vida, de gratuidade, de doação sem limite, que traduzem
a essência da vida.
Luisa
Garbazza – 24 de junho de 2012
* Versão para ser
publicada no jornal “Informativo Igreja Viva” - Paróquia Nossa Senhora do Rosário - julho de 2012.
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