domingo, 11 de maio de 2014

Sede de Deus



Dia quinze de abril de 2014. Terça-feira Santa. A Paróquia Nossa Senhora do Bom Despacho faz memória a Nosso Senhor dos Passos. Depois da Celebração Eucarística, em uma procissão piedosa, organizada e bem participada, os fiéis saem, pelas ruas da cidade, seguindo os passos de Jesus rumo ao calvário. Os homens conduzem o andor – imagem de Cristo com a Cruz aos ombros – destino à Capela do Bom Jesus, na Cruz do Monte.
A subida é lenta. Vários grupos se organizam em oração constante. Oração pelos que sofrem, por nós mesmos e por nossos pecados. Orações e preces de um povo que lamenta a falta de fé, a maldade, a violência e a escravidão que ainda reina mundo afora. Outro grupo solta os lamentos em forma de cantos que trazem ao presente, através das palavras e da melodia, o sofrimento de Cristo. Para quem carrega o peso do mundo, a subida é longa demais. Em cada parte do caminho, a dor se multiplica. Sofre ao encontrar as mulheres que choram buscando consolação; ao cair, por terra, cansado e abatido pelo peso da cruz; ao registrar no seu o olhar de agonia da mãe amada; ao enfrentar as dores e as quedas com amor e resignação. – A causa é nobre demais! E o amor, maior ainda!
Ao final da caminhada, diante da capela do Bom Jesus, uma parada para reflexão. Acompanhando as palavras do Padre Antônio Otaviano, refletimos sobre o objetivo daquele momento em nossa vida e na vida da Igreja de Cristo. Em seguida, em um instante de deslumbramento, ouvimos a Ave-Maria e a Salve Rainha cantadas, em Latim, por duas freiras que visitam a cidade – Irmã Diana e Irmã Maria de Lourdes. Depois, em uma só voz, sobe aos céus nossa prece por toda a cidade de Bom Despacho através da oração do Pai-nosso.
No momento seguinte, a imagem de Jesus é levada para dentro da capela e inicia-se a peregrinação do povo de Deus, que tanta necessidade tem de sentir a presença de Jesus, em emoções concretas, através do toque das mãos. Sem se importar com a morosidade dos passos ou com a demora, continuam a caminhada, um a um, aproximando-se de Nosso Senhor dos Passos. Os olhares buscam o rosto ensanguentado e os olhos tristes de Cristo. Um instante de intensa conexão com o Pai do Céu. Ali são depositados os anseios e as interrogações contidas no coração. Todos que por ali passam, deixam transparecer a fé e a ânsia por algo que o mundo não pode lhes oferecer. Gestos e olhares denunciam a sede de Deus.
Sentada no banco, conservando a emoção do momento, posso observar a reação daquelas pessoas. Uns olham para Jesus fixamente, não só com os olhos, senão com o coração.  Outros lhe beijam os pés em uma manifestação de humilde pertença. Algumas pessoas deslizam as mãos por suas vestes como se ali depositassem todos os seus anseios. Há os que desejam ardentemente uma proximidade maior: toques e gestos vão se sucedendo. E os que sobem em algum lugar para tocar a coroa de espinhos daquele homem, que tanto sofreu para nos salvar, pedindo alento para as próprias dores. A cruz também é tocada em sinal de compaixão. Em dado momento, visualizo uma senhora: olhar sofrido e ares de cansaço. Aproxima-se, sem pressa, arrastando os pés. Chega bem perto da imagem. Passa as mãos pelas vestes de Jesus, toca-lhe os pés e beija-os, ergue os braços e segura-lhe as mãos. Olhando-o fixamente nos olhos, fica inteiramente imóvel. Parece que o tempo parou. Seguem-se alguns minutos de silêncio. Ninguém empurra nem reclama. A senhora continua seu diálogo silencioso com o Mestre dos mestres até saciar a sua sede de Deus e sentir-se completa. Depois, passa as mãos pelas faces de Jesus e retira-se devagar. A peregrinação continua.

Luisa Garbazza
Publicação do mês de maio no jornal "Paróquia Nossa Senhora do Bom Despacho".

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