sábado, 21 de março de 2015

Minicontos

O azul da paz
A praia deserta convidava a um passeio diferente. Com os pés na água que lambia a areia, parei e concentrei-me na profunda tarefa de escutar o mar. As águas se misturaram ante meus olhos. As ondas iam e vinham desenhando rostos: alegres, tristes, angustiados, horrorizados, carregados de medo, sorridentes...
Fechei os olhos para me libertar daquelas imagens. Inundaram-me os ouvidos gritos de alegria, lamentos, declarações de amor, pedidos de socorro...
Deixei-me ficar até as ondas se aquietarem e o silêncio invadir-me a alma.
Abri os olhos, que se fecharam rapidamente impulsionados pelo reflexo do sol em uma pequena garrafa azul. Abri-os novamente, bem devagar. Apanhei a garrafinha, retirei dela um pequeno papel e, ao ler a mensagem, senti que o passeio valera a pena: “Tenha um dia de muita paz.”
Luisa Garbazza
8 de março de 2015



Solidão
Todos os dias, ela saía de casa, no mesmo horário, e se postava frente ao portão. Ficava ali, parada, sozinha, perdida em seus próprios pensamentos. Depois de algum tempo, retornava a casa e continuava a vida.
O marido observava-a de longe e não tinha coragem para intervir. Doía-lhe o coração ver a esposa naquela situação.
Certo dia, há muito no portão, olhar comprido na estrada, quando já se preparava para voltar à vida, seus olhos se iluminaram: o filho querido regressara a casa.
Luisa Garbazza
15 de março de 2015




Adeus
Depois de ouvir o adeus de sua amada, sentiu o chão abrir-se e ali imergir toda a sua esperança de vida. Ela saiu, batendo a porta, despedindo-se com um “até nunca mais”. Ele ficou ali, inerte, sem ação, mergulhado na mais profunda tristeza.

Resolveu então dar adeus a tudo aquilo e sair, sem rumo, em seu barco, mar afora.

O apartamento, na beira da praia, podia ser visto a distância. De dentro do barco, com o coração cheio de amor, ainda sem assimilar realmente o que havia acontecido, fixou o olhar na lanterna que deixou acesa perto da janela: última visão do lugar que, em sua ingenuidade, achou que fosse o paraíso.
Luisa Garbazza

17 de março de 2015







Questão de gosto
Iva acordou disposta a descarregar a angústia de dez anos de casamento. Em todo esse tempo, ela viveu em constante irritação por causa do comportamento do marido: ele não reclamava de nada – nunca! Tudo estava muito bom. Concordava com tudo. Não pedia nada. Por causa disso, Iva fazia as coisas sempre do mesmo jeito. Por exemplo, o café da manhã. Tinha o cuidado de coar o leite fervido para o marido, que sempre elogiava.
Naquele dia, resolveu fazer diferente: preparou o café da manhã e fez questão de deixar o leite com bastante nata. “Hoje ele vai reclamar.” – pensou ansiosa pela reação do marido.
Com os olhos arregalados, viu o marido levar o copo à boca. Mas os nervos ficaram ainda mais à flor da pele quando ouviu: “Que delícia! Eu amo nata de leite. Obrigado.”
O mundo veio abaixo. Não suportou. Desistiu, pois, do marido e do casamento.
Luisa Garbazza
12 de abril de 2015

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