terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Tempo das águas

Uma chuva fria marca o início de 2012. Chove há dias, confirmando a tropicalidade de nosso verão. Ora com mais força, ora mais fina, às vezes quase silenciosa, mas constante, sua presença esvazia as ruas nesta segunda-feira.
Pela janela, as retinas fotografam uma tarde cinza. Como um acanhado riacho, a enxurrada escorre, continuamente, no asfalto, próximo à calçada. No jardim, o chão alagado, as folhas bailando impulsionadas pelo vento brando e as rosas que se curvam pesadas, encharcadas. Olhando para cima, as nuvens recobrem todo o céu. A impressão que se tem é que a chuva vai continuar, talvez “para sempre”.
Esse quadro trouxe-me à memória lembranças de minha infância. O cenário era uma casa tosca à beira de um riacho que, em uma grande extensão, jogava suas águas sobre uma laje bem irregular, cheia de altos e baixos, piscinas e paredões. A água era pouca, ocupava apenas um canto da laje e o espaço maior era transformado em área de lazer onde passávamos bons momentos.
Família grande, casal e dez filhos, vivendo em cinco cômodos pequenos com poucos móveis. A cozinha, estreita e comprida, possuía apenas uns bancos, uma prateleira e um grande fogão à lenha. O terreiro da sala era enorme e enriquecido por uma grandiosa árvore que alegrava nossas primaveras com o ouro de suas flores. Um pé de buganvílias vermelhas se debruçava bem próximo à janela. Aquela singeleza transformava-se no paraíso em minha mente infantil.
Como morávamos próximo a uma mata, era fácil conseguir paus secos para serem queimados no fogão, todavia, durante o período “das águas”, a luta pela sobrevivência era complicada. Minha mãe sempre fazia um estoque de lenha para essa temporada. O fogão era usado para cozinhar a comida, esquentar água para banhos e ainda para secar algumas roupas mais urgentes. Além disso, a cozinha transformava-se em ponto de encontro. Todos queriam se posicionar próximo ao fogão, que servia também de aquecedor.
Porém, quando chovia muitos dias seguidos, era o caos. Era preciso sair debaixo de chuva, ajuntar alguns paus e colocar ao lado do fogão para escorrerem, secarem e aí sim, serem usados para alimentar o fogo. Muitas vezes acontecia de faltar lenha seca. Lembro-me da dificuldade para acender o fogo. A lenha molhada não respondia aos apelos de minha mãe. A fumaça invadia a cozinha. Ficávamos ali, amontoados, respirando aquele ar poluído e torcendo para que o fogo surgisse logo, aquecesse o local e as panelas onde seria preparado nosso alimento.
Imagino como deveria ser difícil, naqueles dias chuvosos, a lida de minha mãe, para conseguir roupas (sempre muito escassas) limpas e secas para doze pessoas. Muitas vezes ela permanecia até tarde da noite colocando roupas para secar ao calor do fogo e assim termos o que vestir no outro dia. E o interessante é que não me lembro de tê-la ouvido maldizer a chuva.
E assim, nessa rotina, seguiam os dias. Às vezes, semanas. Valia até apelar para santa Clara, pedindo a volta do sol. Contudo, era só a chuva dar uma trégua, mesmo por poucos minutos, e os siriris começarem a voar, que a meninada saía, corria pelos pastos, subia nos cupins, pisava nas poças d’água e celebrava a vida ao ar livre.
Volto ao presente e constato que o tempo continua chuvoso, as nuvens ainda carregadas e a noite, que ora se inicia, é completamente cinza. No entanto a vida continua e não podemos viver de nostalgia nem deixar o cinza invadir nossos dias. Celebremos, pois, a vida acima de tudo. Que o frio da estação chuvosa possa ser substituído pelo calor humano, pela vida em família e pela alegria renovada de um novo ano. 
                                      

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