quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Um flagrante casual


Custei a identificar aquele pássaro. Vi-o em uma pracinha, ainda deserta, no começo de uma fria manhã de primavera. Era um esbelto joão-de-barro que, em um canteiro recoberto por pequenas folhas de grama, estava à caça de algum alimento.
Os primeiros raios do sol lançavam seus reflexos sobre as gotículas de orvalho que pairavam no gramado colorindo-as com as cores do arco-íris. Alheio a esse singelo espetáculo da natureza o joão-de-barro levantou a cabeça e andou pelo canteiro até subir na pequena mureta que marcava o limite do jardim. Dali pra frente o asfalto toma conta e o domínio é dos veículos, que sempre passam, ruidosamente, em uma velocidade incompatível com o andar de ave tão pequena.
 Mas, nesse horário de calmaria, o trânsito é quase inexistente e nosso personagem aproveitou para se aventurar um pouco mais. Lentamente, desceu o degrau do jardim. Pisou calmamente o asfalto. Parou por um instante, hesitou, depois andou na pista asfaltada. Andou? Não. Desfilou, tamanha elegância de seu porte e firmeza dos passos. A cabeça erguida, o bico apontando para o céu e a certeza do que queria.
Parada do outro lado da rua, absorta, assistindo aquela cena tão simples, porém bela, sorri por dentro ao perceber a altivez daquele pássaro. Preocupou-me a possível chegada inesperada de algum carro para atrapalhar o sonho de liberdade do nosso amigo. Porém, o pássaro, sem o menor constrangimento, continuou rumando para o outro lado, sem pressa, sem medo, levantando as pernas esguias para mudar o passo. Comecei a entender o quanto a vida para ele é simples. Vive em busca de comida, aqui e ali, sem se preocupar com fama, com glórias, pompas ou aparência. O importante é viver. É procurar o próprio alimento, voar, cantar, misturar-se com o verde. Fazer da paz sua máxima. Naquele momento, ele nem se dava conta do lugar onde estava.  “Um estranho no ninho”, mostrando em seu andar confiante e seguro que já estava acostumado a tal façanha.
De passo em passo, ele continuou sua “travessura” até ganhar outro canteiro da praça.
Atravessei a rua, ainda deserta, sem desviar o olhar do nosso amigo, que também continuava sua jornada ultrapassando o limite e subindo no outro canteiro.
Antes de seguir meu caminho, do outro lado da praça, contemplei uma última vez o pássaro, que agora reinava absoluto procurando alimento em um terreno todo recoberto por gramas verdinhas, que começavam a brotar incentivadas pelas primeiras chuvas, presente da natureza.










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