terça-feira, 5 de outubro de 2021

Nos caminhos da infância

 



Dos caminhos percorridos nesta vida, as trilhas mais bem vividas são as do tempo de criança. Cada passo dado, cada aprendizado, cada pegada deixada são traços de alegria, real ou magia, guardados na mente. Tempo de brincadeira, de tudo a vez primeira, de emoção verdadeira, que vai bordando a vida qual linha nas mãos da rendeira. As meadas se entrelaçam e, de ponto em ponto, formam corpo, mente, personalidade. É a infância, época de pureza, de ingenuidade, confiança plena, sentimentos que traduzem a essência da vida e moldam o caráter.

Em caminhos quase paralelos, a vida: um eterno aprendizado. A vivência da infância acompanha-nos por toda nossa existência. Quanto mais vivemos, mais buscamos o tempo áureo dos bordados, da época em que tudo se transformava em brincadeira, mesmo em tempos de vida difícil, quando poucos eram os recursos.

Há! A minha infância!... Eu a carrego comigo, guardadinha em meu coração. Cada meada de linha, cada ponto, cada novo bordado trazem as cores da minha meninice, permeada de escassez material, mas recheada de simplicidade e alegria. Vez ou outra, abro as gavetas do tempo e envolvo-me naqueles pensamentos. O último foi justamente a história de uma meada de linha...

 História de vida

Vejo-me na escola, na terceira série do Ensino Primário – hoje Ensino Fundamental. A professora, muito dedicada, criava formas diferentes e divertidas para atrair a atenção da meninada. A que mais me encantava era o momento de “Contação de História”, sempre de um jeito novo e em lugares diferentes. Certa vez, ela pediu que, no dia seguinte, cada aluno levasse um tapete para a aula. Saí da escola suspensa. Na precariedade da minha infância, mal sabia o que era um tapete. Em casa não havia um sequer. Consequência: cheguei à escola de mãos vazias. No momento mágico da história, a professora nos levou a um espaço reservado no pátio da escola e pediu que todos colocassem o tapete no chão e se sentassem. Ela fez o mesmo. Todos acomodados e eu em pé. Ela olhou a turma e pediu a uma aluna, que levara um tapete bem grande, que me deixasse sentar junto com ela. Permissão dada, aproximei-me timidamente. Não era um tapete comum, era um tapete grande, bonito, todo brilhante, tecido com fios dourados. Parecia o tapete mágico das histórias. Então me assentei, bem na beiradinha. Em minha mente ingênua de menina da roça, a imagem logo se formou: “São fios de ouro”! A voz da professora prendeu a atenção de todos. Menos a minha. Enquanto ela contava a história – na qual não conseguia me concentrar, vislumbrada com o tapete – comecei a puxar um dos “fios de ouro”, bem devagarinho, para que ninguém percebesse. Cada fala, um puxãozinho. Na mente fértil, cheia de imaginação, fui inventando maneiras de ostentar aquele cobiçado fio dourado. A história já estava quase chegando ao fim – e eu também quase realizando meu sonho de arrancar aquele fio – quando a menina percebeu e reportou tudo à professora. Repreendida, levantei-me depressa, vermelha de vergonha, e fiquei em pé até o fim da aula. O fio de ouro, ora inacessível, permaneceu apenas na minha imaginação.

Depois de tantos anos revivendo essa e outras lembranças, torna-se fácil constatar a presença das marcas deixadas por tudo que vivemos na infância, tanto as marcas que nos fazem sorrir quanto as que nos deixam entristecidos. Por isso, mesmo sabendo serem inevitáveis algumas marcas profundas, não tão felizes, precisamos nos atentar ao cuidado com as crianças. É preciso escolher as cores com cuidado, cortar as meadas na medida certa, fazer as aparas. Oferecer momentos de harmonia, encontro e magia, responsáveis por preencher de alegria os bordados da existência. Amar é cuidar.

Luisa Garbazza

Minha singela homenagem a você, criança!

Criança de corpo ou de alma, que brinca, vive, celebra.

Feliz Dia das Crianças! Deus abençoe.

E a todos os professores:

Feliz Dia dos professores!


2 comentários:

  1. Delícia de texto!
    Acho difícil, Luísa,que alguém não goste de ler o que Você escreve! Sinto como que Deus tenha transferido a Você o poder de abençoar enquanto escreve. Hoje, dia em que a Igreja nos recorda Santa Faustina, vejo em Você atualizado este projeto sagrado de secretária de Jesus.
    Falando da infância, Você também nos leva a homenagear, na alma, nossos pais e tantos educadores!
    Grande e muito agradecido abraço!

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  2. Amiga Lúcia
    Sinto-me lisonjeada com suas palavras. Deus a abençoe muito pela gentileza, pelo carinho e pela sutileza em seu comentário.
    Abraço fraterno, cheio de carinho.

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