Morávamos
em um sítio bem espremido entre fazendas e uma indústria de siderurgia. Família
de prole numerosa: pai, mãe e 10 filhos. Uma escadinha de crianças, conforme se
diz aqui por estes lados do país. A criançada se divertia na área do sítio e
nos arredores. Era uma verdadeira aventura a cada dia.
As
saídas do sítio eram todas por meio de trilhas, a maioria ladeada por árvores
frondosas: trilha para ir à cidade, trilha para ir às casas dos vizinhos, trilha
para ir à mina buscar água para beber, trilha para ir à escola... Quando saíamos
todos, ou vários, formava-se uma fila e caminhávamos acompanhando o ritmo do
cabeça. Pela falta de energia elétrica, raramente saíamos após o entardecer.
Esse momento era reservado para reuniões familiares, muitas vezes em volta de
uma fogueira. Cada noite um momento diferente. Ora brincadeiras de corre-corre,
ora de roda, ora de esconde-esconde... Ou então, a hora das histórias. Nossa
mãe possuía o dom de contar histórias: reais ou imaginárias, reproduzidas ou
inventadas. Os olhos da meninada brilhavam com as narrativas. E se arregalavam
com as façanhas da mula sem cabeça e do enigmático saci-pererê. A mula sem
cabeça era vista com respeito e com medo; o saci-pererê, com curiosidade.
O
efeito desses dois seres do nosso folclore na vida da criançada era enorme. Nas
noites escuras, sem luar, quando ficávamos na cidade até mais tarde, a volta
era penosa. Nas trilhas que nos conduziam a casa, o medo reinava. Medo do que poderíamos
encontrar pelo caminho. – E se aparecesse a mula sem cabeça botando fogo pelas
ventas? – Nesse estado de tensão, ninguém queria ser o primeiro da fila, muito
menos o último. A volta tornava-se longa demais. Na pressa de sairmos do
negrume da noite, às vezes até tropeçávamos uns nos outros, quando o da frente
dificultava os passos. A chegada era sempre motivo de grande alívio.
No
dia a dia, na lida da vida, ocorria de sairmos à tardezinha, para fazer visitas
ou pedir emprestado algum gênero de primeira necessidade nos vizinhos – sempre
distante – ou para buscar água na mina. Algumas vezes, era necessário alguém sair
sozinho. As sombras da tarde, que iam se espalhando, cobrindo tudo muito rápido
para a chegada da noite, causava calafrios e traziam à tona o medo dos seres
mitológicos. Aí o inevitável acontecia...
Certa
noite, a irmã mais velha, que havia saído para pedir açúcar emprestado, chegou a
casa sem fôlego, sem conseguir falar, branca como cera. E por algum tempo,
assim permaneceu. Quando conseguiu balbuciar alguma coisa, aguçou nossa
curiosidade. Aos poucos começamos a entender o que havia se passado. “Avistei uma mulher estranha... ela esticava
e encolhia. Olhava para um lado e a mulher estava lá, pequena igual anã. Aos
poucos, ela ia se espichando e ficava mais alta que as árvores. Depois aparecia
do outro lado, bem à frente, e ficava encolhendo e espichando. E assim durante todo
meu caminho. Quase morri de medo!” Daí em diante, a mulher “que espicha e
encolhe” foi alvo do medo da criançada. Quem saía ao entardecer já ia com os
olhos arregalados, temendo encontrá-la pelo caminho.
Na
semana seguinte, quando a tal mulher já começara a cair no esquecimento, o caso
se repetiu, em outras proporções. Chegaram dois irmãos, que saíram à noitinha
para buscar água. Estavam muito assustados! Nas vasilhas, apenas um pouco de
líquido. A mãe indagou: “Onde está a água? O que aconteceu?” Com a respiração
ainda ofegante, um deles respondeu: “Pegamos a água, mamãe. Mas, quando a gente
voltava, vimos uma mulher vestida de branco em cima de uma árvore. Ela abria e
fechava os braços, chamando a gente. Corremos de medo, tropeçamos e deixamos a
água cair.” Vários pares de olhos se arregalaram ao mesmo tempo.
A
vida no sítio seguiu plena, com suas histórias, seus passeios noturnos, seus
medos. A mulher de branco, esta não caiu no esquecimento muito fácil não.
Apareceu novamente, também para outras crianças, por um longo tempo.
Luisa Garbazza
2025
Um pouco das minhas lembranças de infância.
(A foto, tirada recentemente, é de uma das trilhas por onde
andávamos.)
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