domingo, 13 de novembro de 2022

Pureza de alma

  

Vivemos em um tempo de correria tão grande que muitas vezes deixamos a desejar o contato com as pessoas. Quando temos essa oportunidade, percebemos quantos corações puros, quanta alma leve e bonita podemos encontrar. Entretanto deixamos a vida passar e não nos damos conta disso. Existem pessoas que nos surpreendem. Às vezes conhecemos apenas “de vista”. Quando nos aproximamos e ouvimos sua história, temos a impressão de que já a conhecemos há muito tempo. Foi assim que me senti ao conversar com o senhor José Chiquinho, da comunidade do Rosário.

Senhor José Chiquinho é presença marcante na nossa história. Todos o conhecem, inclusive eu. Passam-se os anos e ele está sempre lá, pronto para ajudar. Mas nunca havia tido a oportunidade de aproximar-me. Recentemente, tive a chance de conversar com ele e ouvir um pouco de sua história. Foi uma grata surpresa. Saí de lá com o coração tão leve e uma ampla ternura por aquele homem, aparentemente sério, mas que esbanja simplicidade, que sorri com facilidade e se emociona com as histórias do passado.

Segundo suas lembranças, nasceu em um lugarejo chamado Córrego D’Água e mudou-se para Bom Despacho em 1948. Veio morar perto de onde hoje é a Praça do Rosário, conhecido na época como “Buracão”. Conta que brincava muito no terreno em que, futuramente, foi construída a Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Ao reavivar essas memórias, deixa transparecer, pelo brilho nos olhos, a alma de criança, feliz por contar suas travessuras. Ainda criança, o menino José se encantou pelas coisas de Deus. Em uma época em que a missa ainda era celebrada em Latim, tratou logo de aprender o ritual para ajudar o padre. Começou antes da construção da igreja. Os fiéis se reuniam em um barracão, próximo à Fábrica de Tecidos.

Com disposição e amor a Deus, lá estava ele, como coroinha do Padre Robson, em primeiro lugar, e outros que lhe vieram à memória: Padre Luizinho, Padre Gláucio Coimbra, Padre Antenor, Padre Ivo, e muitos outros. E continuou como coroinha depois de adulto. Só parou em 2003 quando se aposentou. “O Padre Vicente pediu para mim deixar o Paulo César ser coroinha, porque ele ia seguir carreira religiosa.” Mas continuou, e ainda continua, a servir em qualquer lugar que Deus o chama.

José Chiquinho tem forte descendência africana. E não se envergonha disso. Lembra-se com ternura dos avós, que vieram da África, como escravos. Principalmente da avó Tereza, mulher forte, de quadris largos, chamada “Terezão”. – Era ótima cozinheira, então foi escolhida para trabalhar na Casa Grande. – Ao lembrar o passado, fala com naturalidade sobre a escravidão, sobre a chegada dos imigrantes europeus e a Abolição da Escravatura. Ouvindo-o falar, é fácil perceber a imensa cultura que possui. Tem tanto para contar! Pena que aja tão poucos querendo ouvir.

Quando fala da vida particular, a emoção é ainda maior. Transmitindo certa ingenuidade e pureza, vai trazendo à realidade as lembranças dos amores que viveu. Conta da namorada que teve há muitos anos, que doou um par de brincos de ouro para ajudar na construção da igreja. Mas o namoro durou pouco, pois ela mudou-se de Bom Despacho e nunca mais deu notícias. Parece, entretanto, pelo seu jeito de falar, que não deixou marcas em seu coração. Depois, com olhos marejados de lágrimas, que tentou – em vão – disfarçar, falou-nos do grande amor de sua vida: a noiva Geralda Rosa. Estiveram juntos por muitos anos. Ficaram noivos e estavam com tudo pronto para se casarem. No entanto os projetos de Deus foram diferentes. Com emoção na voz, diz que perdeu a noiva em 2002. E fala com carinho que ainda a ama e conserva uma foto dela bem perto de sua cama. As entrelinhas de suas palavras aguçam a sensibilidade de quem o escuta e permite perceber a leveza de alma e a pureza do amor que sentiu e ainda sente.

Esse homem, exemplo de vida, vive em uma casinha simples, todavia muito bem cuidada: organizada e limpa. E nos recebe com presteza e dignidade, como se estivesse num palácio. E é assim que lá nos sentimos. Não se casou, não teve filhos, mas é “pai” de muita gente. Outro momento em que se comoveu, e nem tentou esconder as lágrimas, foi ao falar do amor que sente pelas crianças. Ajudou a criar muitos sobrinhos e filhos dos sobrinhos. E continua ajudando.

Atualmente cuida de Maria Cecília, filha da sobrinha. Mas, sem dúvida alguma, a emoção maior é sentida ao escutá-lo falar sobre Nossa Senhora. É um amor demasiadamente grande e bonito. Fala sorrindo da Mãe de todos nós e relata momentos em que ela o socorreu nas intempéries do dia a dia, em todos esses anos de dedicação à Virgem do Rosário.

Senhor José Chiquinho, cristão autêntico, homem de fé e de trabalho. Verdadeiramente, veio para servir. Demonstrou isso em cada trabalho realizado gratuitamente na comunidade. Participou ativamente da vida da Igreja do Rosário nesses 50 anos. Uma lição para todos nós. É só olharmos para seu exemplo e percebermos que é possível seguir os mandamentos do Mestre Jesus e colocar-se a serviço. Todos temos condições de doar um pouco do nosso tempo, de acordo com os dons que Deus nos deu, a serviço do irmão, da Igreja, da comunidade. Temos, neste homem, o exemplo vivo de obediência a Deus. A ele nosso respeito, nossa admiração e nossa homenagem.

Luisa Garbazza

 

7 de março de 2015

Homenagem ao Senhor José Francisco – história viva – presente nesses

50 anos da Igreja Nossa Senhora do Rosário.

 

Do livro “Igreja do Rosário – dos primórdios ao cinquentenário”

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