sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

A arte de cuidar

 


Tempo do Advento. À espera do Senhor que vem. Como é bom viver esse tempo, preparando o coração para a chegada do Natal! A sensibilidade é aflorada, cresce o carinho pelas pessoas, a proximidade torna-se necessária, fomenta a cultura do cuidado: é um tempo de graça.

Ao viver esse tempo do cuidado, minh’alma se lembra dos que já se foram, especialmente minha mãe, que passou seus dias cuidando do outro: do pai e dos irmãos, depois do marido e dos filhos, e, por toda sua vida, de tantos quantos a procuravam necessitados de ajuda, seja ela de que natureza fosse. Esqueceu-se de si para se ocupar dos irmãos e irmãs. Hoje fico me lembrando do carinho com que ela tratava o semelhante, conhecido ou desconhecido. Carinho que se estendia aos animais e plantas. Em cada casa onde morava, desde a adolescência, era imprescindível um canteiro de flores, o que tratava logo de providenciar. Depois, em casa de espaço reduzido, cultivava suas flores em pequenos vasos. E quando já não possuía mais energia para cuidar dos outros, ocupava-se essencialmente de suas plantas.

Essas lembranças me levam a um lugar comum: mães gostam de flores, de plantas, de jardins. Nessa era das orquídeas e das suculentas, então, os vasos, qualquer que seja o tamanho, passou a ser um presente muito valorizado, competitivo até. Tanto que, na época da eleição, criaram uma “promessa” de campanha nas redes sociais: “Se eu for eleito, a casa de toda mãe será cheia de plantas”.

Mães que cuidam

Fico a analisar esse amor todo pelas plantas, principalmente por parte das mães cujos filhos já estão criados, e, por experiência própria, vou tirando minhas conclusões. O coração de uma mãe é puro amor. Amor que se desfaz em cuidados, desde a gestação. O filho é o tesouro maior; cuidar do filho, a maior dádiva. Por muitos anos, a mãe se dedica àquele ser tão frágil, extensão do seu, de maneira intensiva. Quando os filhos crescem e se ausentam, a mãe se sente muito só, mas aquele amor-cuidado, instinto materno, não diminui. Ela então o transfere para as plantas: rega, cuida, cava a terra, tira as folhas amarelecidas, coloca adubo, passa para um vaso maior... E não se cansa de admirá-las, notar o broto novo, o primeiro botão, a beleza das flores. A magia de cuidar de uma plantinha se assemelha ao dom de cuidar do filho pela fragilidade, pelo zelo, pela expectativa, pelo encantamento. Cada centímetro a mais, cada passo, cada palavra, cada dentinho, tudo vai preenchendo o coração materno, que se desmancha em amor.

Esse encanto que faz parte do dia a dia das mães, muitas vezes regado a lágrimas, vem nos lembrar a graça do Natal. Nesse tempo, o forte, para grande parte da sociedade, é presentear, dar e receber presentes. Para tal, temos uma opinião comum: “Mãe gosta de ganhar planta”. Sim, gosta mesmo, salvo raríssimas exceções. É preciso, no entanto, uma pequena reflexão. A mãe gosta de planta para dispensar a ela seu cuidado, sua esperança, principalmente nos momentos de solidão. O que às vezes passa despercebido é que a mãe também carece de cuidado, de carinho, de atenção.

Então você, querido leitor, que está pensando em presentear sua mãe com um vaso de flor – ou outro presente qualquer –, lembre-se de que, assim como a planta, a mãe precisa de cuidado. Reserve um pouquinho do seu tempo para sua mãe. Aproxime-se, sem pressa. Procure saber se ela está bem, se sente vontade de comer uma coisa diferente, se está precisando de alguma coisa. Coloque o seu coração em sintonia com o de sua mãe. Ame-a!

luisagarbazza@hotmail.com

Publicação do Jornal Paróquia N. Sra. do Bom Despacho

Dezembro de 2022

 


domingo, 13 de novembro de 2022

Pureza de alma

  

Vivemos em um tempo de correria tão grande que muitas vezes deixamos a desejar o contato com as pessoas. Quando temos essa oportunidade, percebemos quantos corações puros, quanta alma leve e bonita podemos encontrar. Entretanto deixamos a vida passar e não nos damos conta disso. Existem pessoas que nos surpreendem. Às vezes conhecemos apenas “de vista”. Quando nos aproximamos e ouvimos sua história, temos a impressão de que já a conhecemos há muito tempo. Foi assim que me senti ao conversar com o senhor José Chiquinho, da comunidade do Rosário.

Senhor José Chiquinho é presença marcante na nossa história. Todos o conhecem, inclusive eu. Passam-se os anos e ele está sempre lá, pronto para ajudar. Mas nunca havia tido a oportunidade de aproximar-me. Recentemente, tive a chance de conversar com ele e ouvir um pouco de sua história. Foi uma grata surpresa. Saí de lá com o coração tão leve e uma ampla ternura por aquele homem, aparentemente sério, mas que esbanja simplicidade, que sorri com facilidade e se emociona com as histórias do passado.

Segundo suas lembranças, nasceu em um lugarejo chamado Córrego D’Água e mudou-se para Bom Despacho em 1948. Veio morar perto de onde hoje é a Praça do Rosário, conhecido na época como “Buracão”. Conta que brincava muito no terreno em que, futuramente, foi construída a Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Ao reavivar essas memórias, deixa transparecer, pelo brilho nos olhos, a alma de criança, feliz por contar suas travessuras. Ainda criança, o menino José se encantou pelas coisas de Deus. Em uma época em que a missa ainda era celebrada em Latim, tratou logo de aprender o ritual para ajudar o padre. Começou antes da construção da igreja. Os fiéis se reuniam em um barracão, próximo à Fábrica de Tecidos.

Com disposição e amor a Deus, lá estava ele, como coroinha do Padre Robson, em primeiro lugar, e outros que lhe vieram à memória: Padre Luizinho, Padre Gláucio Coimbra, Padre Antenor, Padre Ivo, e muitos outros. E continuou como coroinha depois de adulto. Só parou em 2003 quando se aposentou. “O Padre Vicente pediu para mim deixar o Paulo César ser coroinha, porque ele ia seguir carreira religiosa.” Mas continuou, e ainda continua, a servir em qualquer lugar que Deus o chama.

José Chiquinho tem forte descendência africana. E não se envergonha disso. Lembra-se com ternura dos avós, que vieram da África, como escravos. Principalmente da avó Tereza, mulher forte, de quadris largos, chamada “Terezão”. – Era ótima cozinheira, então foi escolhida para trabalhar na Casa Grande. – Ao lembrar o passado, fala com naturalidade sobre a escravidão, sobre a chegada dos imigrantes europeus e a Abolição da Escravatura. Ouvindo-o falar, é fácil perceber a imensa cultura que possui. Tem tanto para contar! Pena que aja tão poucos querendo ouvir.

Quando fala da vida particular, a emoção é ainda maior. Transmitindo certa ingenuidade e pureza, vai trazendo à realidade as lembranças dos amores que viveu. Conta da namorada que teve há muitos anos, que doou um par de brincos de ouro para ajudar na construção da igreja. Mas o namoro durou pouco, pois ela mudou-se de Bom Despacho e nunca mais deu notícias. Parece, entretanto, pelo seu jeito de falar, que não deixou marcas em seu coração. Depois, com olhos marejados de lágrimas, que tentou – em vão – disfarçar, falou-nos do grande amor de sua vida: a noiva Geralda Rosa. Estiveram juntos por muitos anos. Ficaram noivos e estavam com tudo pronto para se casarem. No entanto os projetos de Deus foram diferentes. Com emoção na voz, diz que perdeu a noiva em 2002. E fala com carinho que ainda a ama e conserva uma foto dela bem perto de sua cama. As entrelinhas de suas palavras aguçam a sensibilidade de quem o escuta e permite perceber a leveza de alma e a pureza do amor que sentiu e ainda sente.

Esse homem, exemplo de vida, vive em uma casinha simples, todavia muito bem cuidada: organizada e limpa. E nos recebe com presteza e dignidade, como se estivesse num palácio. E é assim que lá nos sentimos. Não se casou, não teve filhos, mas é “pai” de muita gente. Outro momento em que se comoveu, e nem tentou esconder as lágrimas, foi ao falar do amor que sente pelas crianças. Ajudou a criar muitos sobrinhos e filhos dos sobrinhos. E continua ajudando.

Atualmente cuida de Maria Cecília, filha da sobrinha. Mas, sem dúvida alguma, a emoção maior é sentida ao escutá-lo falar sobre Nossa Senhora. É um amor demasiadamente grande e bonito. Fala sorrindo da Mãe de todos nós e relata momentos em que ela o socorreu nas intempéries do dia a dia, em todos esses anos de dedicação à Virgem do Rosário.

Senhor José Chiquinho, cristão autêntico, homem de fé e de trabalho. Verdadeiramente, veio para servir. Demonstrou isso em cada trabalho realizado gratuitamente na comunidade. Participou ativamente da vida da Igreja do Rosário nesses 50 anos. Uma lição para todos nós. É só olharmos para seu exemplo e percebermos que é possível seguir os mandamentos do Mestre Jesus e colocar-se a serviço. Todos temos condições de doar um pouco do nosso tempo, de acordo com os dons que Deus nos deu, a serviço do irmão, da Igreja, da comunidade. Temos, neste homem, o exemplo vivo de obediência a Deus. A ele nosso respeito, nossa admiração e nossa homenagem.

Luisa Garbazza

 

7 de março de 2015

Homenagem ao Senhor José Francisco – história viva – presente nesses

50 anos da Igreja Nossa Senhora do Rosário.

 

Do livro “Igreja do Rosário – dos primórdios ao cinquentenário”