sexta-feira, 15 de abril de 2016

Limites



Ao nos vermos assim limitados, sem a plenitude da liberdade,
sentimo-nos tão restritos, percebemos o valor dos passos.
Quando o ir e vir é tão difícil, tolhendo-nos a tranquilidade,
precisamos nos aquietar, procurar novos compassos.

A mente nos pede: ande!
O corpo direciona: movimente!
A disposição dita: trabalhe!
Mas o pé manda: sossegue!

O corpo sossega, mas a alma flutua.
Os pés se aquietam, mas o coração pulsa.
O corpo aceita, espera, não tumultua.
Os pés quedam-se e o pensamento impulsa:

Na impossibilidade, buscar da fé a amplitude.
Na resignação, encontrar a paz da alma.
Na inquietação, buscar do espírito a quietude.
Na aceitação, encontrar a fé que acalma.
Luisa Garbazza
15 de abril de 2016

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Faça-se a luz

A Igreja Católica é uma instituição milenar. Quase dois mil anos se passaram desde que o próprio Cristo a instituiu. Conduzida por mãos humanas, durante todo esse tempo, ela cresceu, errou algumas vezes e acertou outras tantas, foi combatida, mas segue firme no propósito da evangelização e na pregação do direito à vida plena para todos.
Com esse intuito, a Igreja foi criando, além da Celebração da Eucaristia instituída por Jesus – ponto máximo da nossa fé –, sacramentais, hinos, tríduos, novenas, ofícios e outras manifestações que nos elevam a Deus. Algumas ficaram quase esquecidas, como o “Ofício das Trevas”, que o padre Cristiano teve o carinho de revivificar na Semana Santa de 2016. Foi uma fantástica experiência de oração da qual tive o prazer de participar.
Quinta-feira Santa. Aproximei-me da igreja às 23h28. As luzes apagadas e o silêncio convidavam ao recolhimento e a um encontro mais profundo com o Criador. Entrei vagarosamente, percebendo a presença de dezenas de fiéis que ali se encontravam. As velas, no altar e em um grande candelabro triangular, quebravam o rigor das trevas. A procissão de entrada marcou o início da celebração. O sacerdote e a equipe de celebração foi se adiantando pelo corredor da igreja, sem luz, sem alarde, sem hinos: apenas trevas e o som dos passos que se aproximavam do altar.
Padre Cristiano começou a celebração entoando um belíssimo hino, com voz clara e em um tom mais baixo e suave, mas que inundou a igreja, penetrou no coração e nos sentidos e preencheu a alma de todos os que a escutavam. Seguiu-se a cerimônia com cânticos, salmos, preces e leituras que nos transportavam no tempo e nos faziam meditar a caminhada de fé do povo de Deus. A cada hino, apagava-se uma vela. As palavras proferidas e a melodia dos hinos nos tocavam repetidamente o coração e a alma e faziam-nos meditar sobre a nossa própria caminhada.
Com o desenrolar da cerimônia, e as velas quase todas apagadas, a igreja foi ficando cada vez mais escura, lembrando-nos a solidão de Jesus nos momentos que antecederam sua paixão e morte: aquela noite escura, a traição, a prisão, o abandono, a injustiça, a condenação, a dor, a crucificação. Momentos difíceis, banhados a sangue, que marcaram os últimos momentos de vida terrena do Mestre Galileu.

O final, quando não havia mais velas acesas e a penumbra inundou o templo sagrado, deixou-nos com a alma leve e em paz. Mais ainda, veio nos lembrar de nossa responsabilidade com a expansão do Evangelho. Se Cristo viveu tudo isso por nós, temos a obrigação de fazer a nossa parte para que isso tudo não tenha sido em vão. Precisamos mostrar o rosto de Jesus ao mundo através de nossas atitudes, de nosso comprometimento, de nossa vida. Assim não haverá mais trevas: apenas a luz do ressuscitado pairando sobre cada um de nós.
Luisa Garbazza

Para o Informativo Igreja Viva
Abril de 2016

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Povo que reza

Em toda a história do povo de Deus, encontramos passagens que relatam os momentos de encontro com o Criador através da oração. Muitas vezes, os líderes e profetas subiam até o alto dos montes para se sentirem mais próximos do Senhor e escutar sua voz, conforme fez Moisés e Abraão.
Também Jesus nutria o costume de subir ao alto da montanha para rezar e dirigir ao povo seus ensinamentos. Outras vezes, retirava-se para um lugar isolado e direcionava ao Pai suas súplicas. Com Jesus aprendemos a força da oração. Foi Ele mesmo quem nos disse que “onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles”. (Mateus 18:20). Ou, “E tudo quanto pedirdes em meu nome eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho”. (João 14:13). E ainda, “Pedi, e vos será concedido; buscai, e encontrareis; batei, e a porta será aberta para vós”. (Mateus 7:7).
Hoje temos os templos, erguidos em honra a Deus e aos santos, que nos acolhem para os momentos de oração. Em nossa paróquia, além dos momentos celebrativos, a igreja permanece aberta, durante todo o dia, para receber os cristãos, de todos os cantos da cidade, que sobem as escadas, como se subissem o monte para ficar mais perto de Deus, e aqui vêm fazer suas orações. Jesus está ali, no sacrário, dia e noite, “esperando que cheguem as almas ansiosas, ferventes, para o visitar”.
A procura é tanta que, durante todo o dia, todos os dias da semana, a igreja nunca fica completamente vazia. É interessante observar o vai e vem que marca a presença da Igreja viva, formada pelos filhos e filhas de Deus. De vez em quando, aproveito a oportunidade para observar, de forma mais sistemática, a presença das pessoas na Igreja Matriz.
Há os que passam apressadamente: quase que atravessam apenas de uma porta a outra, com uma paradinha de alguns segundos para cumprimentar Jesus. E os que se sentam no último banco e olham de longe, cientes de que dali também serão ouvidos.
Há aqueles que se aproximam do altar, levantam os braços, abaixam a cabeça e deixam que fale o coração. Alguns caminham até a frente, sobem os degraus para alcançar o presbitério, aproximam-se do sacrário e ali, diante do Santíssimo Sacramento, ajoelham-se em oração.
Houve um rapaz, jovem ainda, que entrou, andou vagarosamente até o altar, subiu os degraus e, em atitude de entrega, prostrou-se literalmente diante do sacrário, com a testa encostada no chão e os braços estendidos. Permaneceu assim, silencioso e inerte, por alguns minutos. Depois levantou-se e seguiu seu caminho.
Entrou em seguida uma menina – quinze anos talvez – e ajoelhou-se em um dos bancos, mais à frente. Em instantes, a oração ficou mais visível. A impressão que se tinha é de que ela estava em outra dimensão, tamanha sua concentração: rezava movimentando os lábios, batia as mãos no peito, depois as juntava em preces, elevava as mãos postas, balançava a cabeça positivamente, depois se aquietava. Repetiu esses gestos algumas vezes e, parecendo convicta da eficácia de sua oração, retirou-se sem pressa.
Havia várias pessoas rezando, quando entrou um senhor. Seguindo em silêncio, ajoelhou-se no primeiro banco, elevou os braços – e com certeza a mente e o coração – e começou a rezar em alta voz. As pessoas dirigiram-lhe o olhar, sem fazer alarde. Ele continuou, sem se intimidar – ou até mesmo sem perceber. Com sua voz clara e fervorosa, rezou todo o terço mariano. Terminada sua oração, inclinou-se piedosamente e levantou-se, retirando-se do lugar sagrado.
Naquele instante, também me retirei. Não sem antes fazer minhas orações e pedir a misericórdia de Deus para esse povo que sofre, que reza, implora, bate no peito, suplica, verbaliza suas orações e sai dali com a alma aliviada. Cada um leva consigo a certeza de que não está sozinho e pode contar sempre com a presença de um Deus que é Pai, rico em misericórdia e perdão.
Aos poucos vamos aprendendo que o sofrimento é sempre um bem para a alma e a oração é a maior arma que temos para atravessar as intempéries da vida sem perder a fé e a confiança em Deus.  
 Luisa Garbazza

Publicação do Jornal Paróquia N. S. do Bom Despacho
Abril de 2016