sábado, 21 de junho de 2014

Anjo de Luz





Abri os olhos e um anjo de luz se materializou em minha frente.
Sorriu-me, abraçou-me, amou-me.
Chamei-o Mãe.
Amor recíproco e verdadeiro
um pouco mais a cada dia.
Cuidou-me, alimentou-me, conduziu meus primeiros passos.
Abri os olhos novamente.
O anjo, ao meu lado, orientava-me pelos caminhos da vida,
Cuidava-me, curando as feridas do corpo – tantas – e as da alma.
Entre um abrir e fechar de olhos, 
a mesma imagem – sempre ela – 
a  ouvir meus anseios
minimizar meus medos
acompanhar meu caminhar.
Abri os olhos e lá estava ela a me aconselhar,
a ver-me também como mãe,
e juntas, meus filhos a embalar.
Tudo era por ela: cada minuto, cada feito, cada homenagem.
Era a primeira, sempre, em todas as circunstâncias.
Mas...
meus olhos se fecharam mais que o necessário.
A vida mudou o rumo das coisas.
Tudo ficou escuro.
E triste, e vazio e distante.
Abri os olhos e ela não estava mais presente.
Pisquei os olhos uma, duas, várias vezes.
Não mais adianta:
a luz não aparece,
a voz não mais se faz ouvir.
Meu anjo de luz foi iluminar outros lugares.
Foi para o céu bem pertinho de Deus.
Nos olhos, apenas lágrimas: muitas.
No coração, uma dor sem medidas
e um vácuo profundo que nunca será preenchido.
Onde ela estiver, espalhando sua luz, sei que estarei.
E ela, no meu coração, para sempre ficará.
Meu anjo de luz, minha santa, minha mãe.



Luisa Garbazza
À Maria da Conceição Garbazza,
minha mãe,
um anjo que, dia 16 de junho de 2014, voltou para o céu.
 

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Tempo de memórias



A Diocese de Luz vive um tempo especial. Decretado por Dom Félix, estamos no Ano da Graça, que se estende até o primeiro domingo do advento. Tempo de parada para reflexão; tempo para louvar a Deus; para fortalecer as lideranças e os movimentos existentes na paróquia; para lembrar a caminhada do povo e buscar, nas gavetas do conhecimento, feitos e pessoas que contribuíram para a formação social e religiosa dos fiéis.
Relembrando fatos marcantes, vêm-me à memória os tempos idos de minha infância. Fascinava-me – e ainda fascina – as coisas sagradas: a sutileza das celebrações, dos ritos, a pureza do Menino Jesus, o próprio templo, e, principalmente, a cerimônia para receber a Primeira Comunhão. Sempre me emociono. Ouvi várias vezes minha mãe falar sobre a euforia dos meus irmãos mais velhos, em especial, minhas duas irmãs, preparando-se para esse dia, que era celebrado mais ou menos aos sete anos.
Quando chegou o dia tão esperado, a alegria reinou em nossa casa. Através das palavras de minha mãe, eu imaginava os cuidados que teve ao arrumar as meninas, que ganharam toda a roupa. Uma ganhou da madrinha; a outra, do querido e saudoso Padre João Hellfs. Os vestidos, branquinhos, e os véus, igualmente brancos, intensificavam a magia do momento, a inocência e o brilho do olhar ao receber a hóstia consagrada das mãos do Padre João. Eu idealizava cada cena, guardava-as em meu coração e sentia ainda mais intenso o sonho de viver, o mais breve possível, aquele ritual, preparando-me para receber Jesus.
Havia, naquela época, a Missa das Crianças, na Igreja Matriz. Domingo, bem de manhãzinha, meus irmãos e eu saíamos juntos para a igreja. Depois da celebração, num momento muito aguardado, o jovem celebrante, Padre Robson Teixeira Campos, sdn, chamava, à frente, as crianças que frequentavam o catecismo. Com a calma e a alegria que ainda lhe são peculiares, ia mostrando os objetos litúrgicos. A criança que soubesse o nome do objeto recebia-o nas mãos e adquiria o direito de guardá-lo na sacristia. Se ninguém soubesse, padre Robson ensinava. Então fazia o mesmo com suas vestes litúrgicas. Uma a uma, ia retirando-as e arguindo os pequenos. Havia sempre uma mão levantada almejando o privilégio de segurar uma peça daquelas e carregá-la. Era nítido o olhar de satisfação dos que conseguiam. Ao final, o padre tinha sempre mais alguns ensinamentos e uma palavra amiga para a criançada.
Sentada timidamente no banco, pois a idade era pouca para frequentar o catecismo, ficava ansiosa por aprender todos aqueles nomes. Não via a hora de chegar a minha vez. Até sonhava que havia acertado o nome e levava a batina ou a estola do padre, o cálice ou a âmbula e guardava na sacristia – um lugar desconhecido que despertava minha curiosidade.
Lamentavelmente, não realizei completamente meu sonho. Quando chegou a minha vez de frequentar o catecismo, houve várias mudanças na paróquia. Mudou-se a idade para se receber a primeira comunhão – passou de 7 para 10 anos. Teria de aguardar um tempo maior que o esperado. Padre Robson foi transferido para outra cidade. Não tinha mais a catequese depois da missa. O catecismo passou a ser ministrado na escola pela própria professora. O véu foi dispensado. Além de todas essas mudanças, deixando-me entristecida, aboliram igualmente o vestido branco. Fui para a igreja, no grande dia, vestindo o uniforme escolar, como todas as crianças.
A alegria de receber Jesus na hóstia consagrada – das mãos do padre Jayme Lopes Cançado, sdn – foi imensurável. Talvez o mais importante e feliz de toda minha infância. Mas confesso que fiquei um pouco frustrada, pois o desejo de segurar os paramentos e os objetos litúrgicos não foi realizado. Também, o vestido e o véu brancos, sinais de pureza e inocência, ficaram apenas no sonho alimentado por tanto tempo.  
Luisa Garbazza
Publicação do Jornal "Paróquia Nossa Senhora do Bom Despacho"
junho de 2014