quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Nos caminhos de “A Magia das Chaves”

Fui convidada a entrar em um mundo mágico em busca de uma chave especial.  Fiquei bastante apreensiva ao imaginar como é extenso o universo das chaves. Encontrar “A chave” e carregá-la de significado pode ser tarefa penosa para principiantes. Depois de pensar e repensar, a decisão: “Estou disposta a percorrer esse caminho”.
Comecei encontrando “A chave do passado”, uma chave velha e quebrada que povoou meus sonhos, transportou-me de volta ao mundo mágico da infância e ensinou-me a olhar sempre para frente sem me prender às amarras do passado.   Alguns passos à frente, numa história parecida, deparei-me com Albertina Fernandes, que voltava à casa da sua infância, e, com a chave do carro na mão, ficou ali, a olhá-la, vazia, silenciosa, sem o encanto de outrora e a contemplar “O silêncio dos invisíveis”
Recomecei a caminhada com Adriana Teixeira Gomes falando sobre “O poder” que sobe à cabeça de quem tem o controle das chaves, afinal estamos todos dependendo delas. Concordei com ela. Precisamos sim, mesmo que seja para abrir uma ideia, como aconteceu com Alexandre Acampora em sua “Metamorfose”: uma ideia para eliminar os fungos que insistiam em impregnar seus livros. 
Retomei a procura com Alexandre Sandrieu. Uma chave na ignição, um acidente trágico e entre perdas, ganhos, luta pela vida e um amor muito grande, escreveu “A última carta de amor”. A tragédia se repetiu com a “Chave bendita”, que nas mãos de Lucas Figueiredo Silveira testemunhou o fim de uma linda história de amor que teve início nos tempos da meninice e desfecho de vingança. Trágico também foi o motivo de uma partida inesperada que deixou em pedaços Luz Corvo Dias. Uma chave guardada em um envelope dentro de uma caixa, uma carta e um endereço que resultou em “Retalhos de mim”. Ainda trágica a chave esquecida na fechadura, do lado de fora da porta, por Thaís Amado. Pretexto para um encontro feliz, mas que desencadeou uma tragédia passional. Resultado: “Uma chave e Três vidas”.
Observei durante a caminhada que algumas coisas precisam ser muito bem trancadas. Como o coração. Assim como “Sete chaves, no lugar do teu coração” foram abrindo uma a uma as sete portas, colocou Filipa Vera Jardim frente aos dissabores da vida e preparando-a para, enfim, viver. Ou as sete chaves que fechavam o coração de Teresa Almeida impedindo a felicidade que só foi reencontrada quando readquiriu a alegria da gratuidade e, com amor, recuperou a chave do coração em sua “Viragem”. O sete, também considerado “O número perfeito”, representava a casa de Alice Branco, cuja porta está sempre aberta a sete chaves sugerindo a liberdade de quem não se apega a coisas materiais. E as sete chaves de Dalila Moura Baião, cravejadas de lapas e vestígios de algas, cada uma com uma letra que “Entre o vento e o mar” formam a palavra INFINITO e mostram anjos que revolvem a terra e plantam a fraternidade.
Nenhuma dessas era a chave que procurava.  Soube então de uma chave velha que foi rejeitada por uma fechadura brilhante, convencida, soberba, revelada por Alice Mano-Carbonnier em “Era uma vez uma chave”. A fechadura teve um fim trágico: enferrujada, desmanchada e jogada no lixo; a chave, guardada em uma linda caixa. Continuei com “O Dandi imortal” e percebi a estranheza da vida de quem não encontra razão para viver e a loucura provocada por uma pequena chave dourada e descrita por André Lamas Leite. Ao longe, vislumbrei “A chave perdida” que abriria um cofre negro, recheado de dinheiro cobrado dos pobres por um rei perverso que morreu na batalha. Antonio MR Martins conta de um novo e bondoso rei, mas o cofre...
Sozinha nesse caminho, senti pesar a solidão. Encontrei sentimento comum em algumas chaves que descobri pelo caminho: primeiro Cristina Correia nos mostra a chave da arca de “A avozinha Eva”, que era aberta para esquecer a solidão, mas que ensinou a livrar-se dela ajudando as outras pessoas; em seguida o “Vai e Volta” de Beatriz Pacheco Pereira apresenta duas chaves douradas que serviram de pretexto para uma de muitas visitas que amainariam a solidão de alguém que estava longe de casa; a chave misteriosa de Bruno Resende Ramos que provocou a solidão, da qual só se liberta quem, pelos “Caminhos e descaminhos”, encontrar a chave da própria vida; e as perdas de “Mafalda de Loutulim” contadas por Cristina Malhão-Pereira, que sai em busca de si mesmo, encontra alguém e entrega-lhe uma chave que abre, ao mesmo tempo, sua casa e seu coração.
Em “É de repente que as coisas grandes acontecem”, depois de uma viagem forçada, Cristina Silveira de Carvalho revela os caprichos do destino. Encontra alguém que volta à memória quando procura as chaves da casa e encontra junto aquele bilhete: “Call me”. Já a chave de Elvira Cristina Silva pertencia a uma casa que escolheu a moradora e só ela possuía “As mãos certas para abrir a porta”. Encontrei Helena Osório contando sobre a angústia de alguém que está sempre esperando ouvir o barulho da chave abrindo a porta altas horas, mas precisava de “Cem chaves para abrir o coração”.
Na suavidade da poesia de Egídio Trambaiolli Neto, “A bailarina e o soldado” é uma história de amor de um soldado que morreu carregando consigo a chave da alma de sua bailarina, mas que deixou viva a chave da esperança. De forma análoga, “A chave da esperança” de Isabel Maria Nascimento Rodrigues revela o caminho para encontrar o amor e a chave para abrir o coração. E nos versos de Libânia Madureira, uma dança poética que entre chaves para alento da alma, chave do pórtico e chave-círio, que tudo ilumina, apresenta-nos a “Chave do ser”.
Bem no meio do caminho, esbarrei com uma chave de prata de tons azulados. Era “A chave do cofre de Lia” que abria o coração da menina de tranças e, conforme disse Joaquim Sarmento, prendeu para sempre o coração de alguém apaixonado.  Vi também “As chaves” de Joubert Amaral revelando a efemeridade da vida e a velocidade do tempo representada pelas consequências dos atos provocados pelas chaves perdidas.
De um momento a outro, estava dentro da literatura, no mundo de Fernando Pessoa que escreveu uma “Carta para Ofélia”. Haveria ela de decifrar o código que recebeu juntamente com uma chave. José Carlos Pereira entra na confusão causada pelos heterônimos da história e a chave servirá para que encontrem o próprio caminho. Num piscar de olhos encontrei “O livro mágico” em que Luís Pereira estava perdido. Em uma narrativa de um ritmo acelerado, cheia de personagens estranhos, só ele tinha a chave para terminar aquela história.
“Demorou a chegar” a chave de Maria do Céu Neves, que precisou ser procurada exaustivamente, anunciada em um poema e encontrada no próprio peito. Chave do enigma de uma vida estagnada que precisava apenas de uma ideia para desbravar novos caminhos. Mais adiante, um homem, que depois de carregar por tanto tempo um molho de chaves, fugiu de sua realidade. Maria Isabel de Mendonça Soares não o deixou esquecer seu passado e foi “Aquela chave” levada pelo cão que o fizera voltar para casa, para os braços da esposa.
Em um desses casos de “Vidas desencontradas”, localizei Maria Isabel Loureiro que falava da chave do portão por onde passava lembranças de um passado que não se concretizou. A mesma chave que fechou sua vida levando-a a viver outra realidade, outra história. E como esquecer “A matança do porco cilindro”, em que as chaves serviram para quebrar tradições e ensinar que o poder independe de forças exteriores, como conta Maria João Gonçalves. O poder está dentro de cada um.
Essa caminhada, cada vez mais longa, levou-me até “A auxiliar”, uma história fantasiosa de Maria João Saraiva de Menezes. Uma mulher explorada, levada a loucura e uma chave inútil, desnecessária, que fechava o apartamento, mas deixava-se passar. Compensando os descaminhos, encontrei Pedro Jardim mostrando-me três chaves que revelavam o valor do abraço, do amor próprio e o sentido da vida. Era preciso apenas encontrar “A chave da existência”.
Um pouco mais adiante, a surpresa foi descobrir com Maria Mamede uma chave de ferro que fez parte de muitas brincadeiras e proporcionava risos soltos e muita alegria, tudo registrado na “Carta ao Tonico”.  Também localizei, de maneira singular, “As chaves da paciência abre as portas da glória”. Essa chave, revelada por Paula Teixeira de Queiroz, abre a possibilidade de encantar-nos com as coisas pequenas e esperar por momentos de glória, como um simples desabrochar de uma flor.
Durante minhas andanças, um encontro muito bonito, foi com o “Sonho de um caipira”. Nilce Coutinho nos leva a acompanhar belas ilusões e a luta por uma vida mais digna. Após aspirações e desenganos, a concretização do sonho de uma família: a chave de uma casa, melhores condições de vida. Depois acompanhei Paulo Jorge Almeida quando encontrou uma chave, média, enferrujada e com ela pôs-se a caminho tentando encontrar a porta que ela abriria. A perseverança na caminhada levou-o a descobrir, em um sonho, a liberdade. Quando acordou, descobriu que, na realidade, precisava “Fechar a porta à chave”.
Já cansada da caminhada, alegrei-me ao encontrar “A chave sem relógio”. Uma imensa variedades de chaves e aquela chave especial, a mais pura e genuína, que, segundo Sofia Ribeiro Fernandes, abre o coração e ensina a esquecer a correria do tempo, imposta pelo relógio, e a ser muito feliz. A seguir fiquei mais encantada ainda ao encontrar José Alberto Sá perto de “Uma porta aberta”. Aquela porta não precisava de nenhuma chave material para abri-la: nem chave de ouro, nem de prata, nem de ferro; mas sim, a chave dos sentimentos.
Percebi que minha busca estava chegando ao fim quando encontrei Wilson de Carvalho Costa que já havia experimentado a sensação de várias chaves: chave dos sonhos, chave que aprisiona o coração, e aquela chave de bronze toda trabalhada que o levou a vários lugares procurando alguém. Foi, porém, “A chave do coração” que o ajudou a se libertar e a acreditar no amor e nas coisas incríveis da vida.
Assim cheguei ao fim da minha peregrinação. Pensando em tudo que vi e vivi, percebi que não é preciso ir muito longe à procura de uma chave específica, molho de chaves, sete chaves ou chaves douradas, prateadas. A chave de que mais precisamos estará sempre em nosso poder. É aquela que abre o nosso coração para as coisas simples da vida. Que nos ensina a viver, a ser feliz e a espalhar a paz, o amor, a solidariedade, a fraternidade e a igualdade por todos os lugares, tantos quantos conseguirmos. A verdadeira chave é a que abre a porta da existência e nos ensina que a vida só tem sentido quando é partilhada.
Luisa Garbazza
30 de outubro de 2013

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Sobre brumas e manhãs

Amanhece.
A luz fraca que entra pelas frestas da janela denuncia um dia diferente.
O tempo urge.
As horas não esperam o desejado despertar.
Levanto-me.
Abro a janela e desvendo o mistério:
_ Um dia cinza!
Parece não ter amanhecido completamente.
A bruma reina poderosa.
Confunde-se com o céu e anula o horizonte.
Invade a cidade, as ruas, as casas, os jardins...
Envolve os transeuntes.
Provoca a imaginação.
Amo as manhãs eclipsadas pela bruma.
Observo-a pensativamente.
Ando pela rua e sinto-me envolvida intensamente.
 A bruma fria e úmida invade meu corpo, minha pele, minha alma.
Traz de volta momentos vividos na realidade
ou através das páginas de um bom livro.
Ou ainda, momentos que gostaria que tivessem acontecido.
Sinto-me leve, plena, feliz.
Começo a flutuar, pensar coisas agradáveis, sentir a beleza da vida.
Somos tão frágeis!
A vida é tão efêmera, no entanto deixamos de aproveitar momentos ímpares.
O dia cinza talvez traga à memória os entraves da existência e certo tom de melancolia.
Porém a alegria maior é saber que o sol não nos abandona.
Por maior que seja a névoa que povoa nossas manhãs,
 não conseguirá ofuscar nossos olhos por muito tempo.
Devagar vai se dissipando e alargando os horizontes.
Clareando o dia e a alma.
E estaremos prontos para saltar da cama e começar um novo dia.
Luisa Garbazza
18 de outubro de 2013

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Vida plena aos idosos

 “Eu vim para que todos tenham vida”, disse Jesus. E ainda completou que todos deverão ter vida plena. Buscando significados para essas palavras, precisamos entender essa plenitude da vida começando na concepção, ainda no ventre materno – todos têm o direito de nascer; nos primeiros anos da vida, quando são necessários muitos cuidados; na juventude – tempo das descobertas, tantas e necessárias para a construção da personalidade; na idade adulta e também na velhice.
            A pessoa idosa passou por muitas experiências, boas e difíceis, e tem muito a nos ensinar. Quando olhamos para alguém de idade mais avançada, sem reservas, percebemos a paz que ela nos transmite. Hoje, por exemplo, vi um velhinho entrando na Igreja. Estava sendo conduzido em uma cadeira de rodas, possivelmente por um filho, que demonstrava paciência e zelo. Era magro, estava vestido com simplicidade, porém com elegância, tinha o cabelo muito branco, cuidadosamente penteado e apresentava uma expressão tão serena e feliz, que me fez sorrir por dentro, tamanha a ternura sentida. Pelas aparências, percebi que aquele homem tinha vida plena, apesar das limitações da idade.
Essa cena trouxe-me à mente a imagem de minha mãe. Também está velhinha e não consegue mais andar. Com a saúde debilitada, passa quase todo o tempo em sua cama. A despeito disso, conserva seu bom humor, sua vaidade e bom gosto. Seu rosto continua bonito. Os cabelos, lindos, não embranqueceram, tingiram-se de prata. Um tom tão lindo e brilhante que salta aos olhos. Possui um semblante tão puro, sempre calmo, com uma serenidade envolvente que aquece a alma. Não se exalta, nem se desespera. Deposita toda sua confiança em Deus. Confiante também porque está sempre bem cuidada, em especial por sua devotada filha caçula.
Assim deveria ser com todos os idosos. Por tudo que viveram, aprenderam, ensinaram, pelos filhos que criaram, por aqueles que ajudaram a superar obstáculos, pelo amor que espalharam e pela crença em Deus, merecem ser amados, respeitados, bem cuidados. É só se aproximar de alguém com mais idade e perceber que tem muito a ensinar daquilo que viveu ou do que aprendeu com seus antepassados. E sentem necessidade disso: conversar com alguém, contar as experiências de vida, mostrar que estão vivos.
Por merecerem o respeito da família e da sociedade é que os idosos ganharam uma homenagem: um dia no calendário. Dia primeiro de outubro é dedicado àqueles que já deram sua contribuição para melhorar o mundo em que vivem e precisam ser valorizados por isso.
Nesse dia comemora-se também o Dia de Santa Teresinha do menino Jesus. Portanto, é a ela que pedimos intercessão por nossos pais, mães, avós, tios, que já não podem mais viver independentes como gostariam e precisam de cuidados e atenção especiais. Tomara todos tenhamos a consciência de que eles são filhos amados de Deus e merecem todo nosso apoio, nosso amor, carinho e afeto.

Luisa Garbazza

Publicada no Informativo Igreja Viva - outubro de 2013
Paróquia Nossa Senhora do Rosário

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A menina em mim

                Ano de 2013. Outubro se adianta. Nas redes sociais a brincadeira é postar fotos da infância em homenagem ao dia das crianças que se aproxima. Fiquei muitos dias curtindo aquelas fotos, todas com uma beleza em comum: a inocência. Resolvi entrar na brincadeira. Demorei um pouco para encontrar essa foto – a mais antiga que possuo. Já estava com dez anos. Postei assim mesmo. Como diz o poeta: “Pra gente ser feliz, tem que mergulhar na própria fantasia”.
                Surpresa com o carinho dos amigos – mais de uma centena curtindo e comentando carinhosamente – decidi olhar com mais atenção a menina daquela foto. Foi como se voltasse no tempo e me deparasse com um mundo muito diferente.
Perdida em meus pensamentos, dei-me conta do quanto aquele cenário estava fora da minha realidade. Talvez por isso tenha me encantado tanto. Esse arranjo, enorme, enfeitando a mesa, por exemplo. Em minha casa, as flores ficavam apenas no jardim. Havia apenas uma pequena mesa em casa. E muitas crianças para estudar. Não sobrava espaço para flores. As cortinas? Tão dispensáveis em janelas de madeira! O telefone era algo muito distante. Nunca havia nem tocado um antes. Além dos livros sobre a mesa – nessa época não havia nem um livro em casa – e o ursinho enfeitando a cortina.
O coração se derreteu olhando aquela pequena menina. Lembro-me do cabelo, ondulado e muito rebelde, difícil de pentear, ficava sempre preso em uma comprida trança. O corpinho magro, vestido com o uniforme velho e um pouco amarrotado, com muitos consertos, detalhes que não se tornaram visíveis na foto. Os braços finos, colados ao corpo, e as mãos inseguras sem saber ao certo como agir sugerindo  uma timidez sem limites. O rosto  revela um semblante sereno, um olhar quase triste, um esboço de sorriso num misto de espanto, curiosidade e alegria. Meus olhos se enchem de água ao analisar aquela face singela, tão conhecida e o aperto no peito é muito doído quando se dá conta da distância que nos separa.
A memória não quis se aquietar, deixou-se voltar no tempo e trouxe os dias de então. Fui uma criança muito feliz! Vivi muitas aventuras por lugares incríveis oferecidos pela mãe natureza. As coisas mais simples era motivo de grandes emoções. Hoje tenho consciência de como a vida era difícil naquela época. Sei todas as necessidades que tivemos de suportar. Mas aquela menininha da fotografia não sabia nada disso.  Para ela, a vida era encantada. Cada minuto era vivido com intensidade. Não tinha percepção das diferenças sociais. Na pobreza em que vivia não lhe faltava nada. Como no momento dessa imagem em que se sentiu alguém muito, muito importante.
O presente se impõe. A foto volta a ser apenas a lembrança de uma época venturosa que será lembrada para sempre. Tomara consiga resgatar essa maneira ingênua, pura, leve de lidar com os percalços da vida. No coração ficará continuamente uma ternura enorme por essa criança que continua viva em mim.
 Luisa Garbazza
10 de outubro de 2013

Agradecimento a todos os amigos que curtiram minha foto motivando-me a escrever essa crônica.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Maria – mãe e missionária

A primeira imagem de Maria que a Bíblia nos apresenta a é de uma mocinha meiga, frágil, inexperiente, mas, ao mesmo tempo, decidida e cheia de fé. Ao ser visitada pelo anjo Gabriel, não titubeou e respondeu com firmeza: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”. Desde então, Maria foi se firmando como a mãe de Deus, a esposa de José, a amiga, a companheira de caminhada, a primeira cristã, uma autêntica missionária.
A primeira missão de Maria foi a visita a sua prima Isabel. Morando longe, com idade avançada e grávida, Isabel estava precisando de ajuda. Prontamente, a jovem de Nazaré se pôs a caminho para servir e, acima de tudo, para levar a boa nova que, antes de ser dita, foi sentida por aquela senhora que também participou da história da redenção, pois trazia no ventre João Batista, o precursor, aquele que anunciou a chegada do messias e preparou-lhe os caminhos. Percebemos a amplitude da graça de Deus nessas duas mulheres refletindo nas palavras ditas no instante da saudação: “Ave, cheia de graças, o Senhor é contigo!”; “Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito exulta de alegria em Deus, meu salvador.”
De volta a casa, Maria enfrentou a difícil missão de ser esposa de José e mãe de Jesus. José, que pensou em abandoná-la por causa da gravidez, foi visitado em sonho, acreditou em Deus e aceitou Maria. Mas a missão de gerar e criar o filho de Deus não foi tão simples. Enfrentaram muitos percalços, começando pelo nascimento de Jesus, em Belém, em uma manjedoura, sem recursos nem apoio; a viagem forçada para o Egito, fugindo da tirania de Herodes; o desespero durante a procura pelo filho e o reencontro no templo; as palavras do velho Simeão a Maria: “Uma espada transpassará a tua alma.”; e as palavras de Jesus no templo: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai?” No entanto, Maria guardava todas as palavras e acontecimentos em seu coração e seguia firme com fé e confiança em Deus.
Durante a vida adulta de Jesus, Maria de Nazaré continuou acompanhando seus passos. Sua missão mais dolorosa foi a de assistir ao martírio do filho – prisão, flagelo, condenação, a caminhada desumana sob o peso da cruz, a crucifixão e morte. Nessa época, já não tinha a companhia de José. Enfrentou sozinha todas aquelas dores que dilaceravam seu coração de mãe. Não há nada que machuque mais o coração materno que o sofrimento do filho. E ela suportava em silêncio entregando toda a agonia nas mãos do Pai. Como aquela dor tão profunda sentida no instante em que seus olhos encontraram os de Jesus na subida para o calvário; a responsabilidade ao ser nomeada “mãe da humanidade”; o momento doído em que recebeu nos braços o corpo de seu filho já sem vida.
Depois de ter passado pela experiência da dor e se alegrado e glorificado a Deus pela ressurreição de Cristo, Maria continuou, mais firme que antes, sua missão de propagar o acontecido, acompanhar os apóstolos na tarefa de anunciar o que o Mestre ensinou e arrebanhar as pessoas convertendo-as ao cristianismo. Apesar das dificuldades e das ameaças que sofreram, renovavam cada dia a fé que os impulsionava a dar continuidade aos ensinamentos de Jesus. Foi persistente dando seu testemunho de missionária, de cristã legítima, até ser assunta ao céu.
Mas o ministério de Maria não se encerrou ali. Prosseguiu pelos séculos afora e continua até hoje. Revivemos a missionariedade da mãe de Deus e nossa mãe em cada título que ela recebeu na história da Igreja para interceder por nós atendendo nossas necessidades; em cada ave-maria que rezamos suplicando sua presença de mãe e desejando a proteção de seu manto sagrado; em cada graça recebida. É ela que nos conduz pelas mãos e nos ajuda a continuar no caminho da fé dando seguimento à missão de apregoar o Evangelho. É através dela que encontramos força para suportar os sofrimentos inevitáveis da vida. É ela que vai nos acompanhar em todos os momentos da vida e na hora da morte. E será ela, com certeza, que nos abrirá as portas do céu.

Luisa Garbazza

Publicação do Jornal "Paróquia"
Paróquia Nossa Senhora do Bom Despacho
Outubro de 2013