domingo, 27 de maio de 2012

Pureza de coração


 Certas emoções me sensibilizam consideravelmente. Sobretudo quando envolve relacionamento entre mãe e filhos. Daí vêm as alegrias mais intensas, mas também as dores mais amargas. O esforço que se faz necessário para criar um filho e o amor a ele dispensado é imensurável e por mais que os outros reconheçam, nunca será devidamente compreendido, nem há recompensa à altura. Merece gratidão eterna.
No último final de semana, presenciei um momento entre mãe e filha que me deixou incomodada. Domingo à noite, estava auxiliando em barraquinhas beneficentes em frente à Igreja Matriz, no centro da cidade - vendas de caldos e canjica. Havia uma movimentação constante no local e, embora às vezes diminuísse bastante, sempre aparecia alguém querendo apreciar as guloseimas.
Após a missa, muitas pessoas foram se aglomerando no local e a animação foi maior ainda. Transformou-se em um momento de confraternização, de conversa amiga, de brincadeiras, que foi se estendendo noite a dentro. No vaivém das pessoas, nos encontros, nos abraços, ia fortalecendo os laços de amor fraterno tão divulgado no cristianismo. Colocar-se a serviço foi uma experiência tão gratificante que nem percebi o cansaço chegar.
Após muita andança, meus pés pediram arrego. Afastei-me um pouco e sentei-me na beirada de um canteiro de rosas, ao lado de um casal conhecido. Pessoas de uma simplicidade tamanha, dessas que amolecem o coração. Ali não importa beleza, riqueza ou aparência; precisa apenas de um sorriso nos lábios e um pouco de boa vontade. Tudo o mais se torna supérfluo. A mulher humilde se agiganta e me trás à memória uma frase de Jesus: “Felizes os puros de coração, porque verão a Deus.” Em sua singeleza, em seus trajes humildes, em sua fala despreocupada, foi o que senti – alguém puro de coração.
Poucos minutos de conversa e vejo aproximar duas mocinhas. Pude perceber que era a filha dessa senhora e a amiga dela. Chegou, sem dar muita importância, com certa reserva. O pai logo foi comprar cachorro-quente para agradá-la. A mãe, toda preocupada, perguntando coisas, querendo saber novidades. Porém, por mais que se esforçasse, só recebia monossílabos. Em dado momento ela tirou do bolso uma sacolinha plástica com algumas balas e com carinho entregou à filha. “Guardei pro cê.” Não consegui assimilar o comportamento da garota. Ela abriu a sacola, e reclamou ao ver seu conteúdo. “Só isso?” A mãe, sem jeito: “Eu dei uma prum menino, ele deixou a bala cair e tive que dar outra.” A menina, em um gesto até brusco, jogou a sacolinha no colo da mãe, que continuava sentada na borda do canteiro, e deu-lhe as costas. Sem nenhuma reação negativa, dirigiu-se a mim: “A gente guarda as balinhas com tanto carinho. Olha o que ela faz!” Percebi uma pontinha de decepção naquela fala, fiquei muito sem graça com a situação e respondi para que ela não se preocupasse com aquilo. Mas sei que foram palavras vazias, sem nenhum efeito. Nem eu me convenci do que havia falado. Como não se preocupar? Mães assim vivem em prol do filho e querem agradá-lo sempre, vê-lo sorrindo, de bem com a vida.  O contrário é sempre motivo de desapontamento.
A mãe ainda tentou se comunicar com a filha sem muito sucesso. Em instantes o pai chegou com o cachorro-quente e eles se afastaram para ir embora. Na despedida ainda pude olhá-la nos olhos e constatar que não havia sobrado nem uma sombra. Em seu coração, ingênuo talvez, não há lugar para mágoa nem tristeza. Saiu feliz, ao lado do marido e da filha, como se fossem as pessoas mais importantes da terra.
Em mim ficou uma ternura muito grande por aquela mulher tão simples, tão generosa. Pessoas assim, aparentemente tão humildes, possuem sabedoria suficiente para serem felizes com tão pouco e têm tanto a nos ensinar. É a história dos lírios do campo, tão verdadeira e que temos tanta dificuldade em assimilar. Aos poucos vou aprendendo a ver, em pequenos episódios que se apresentam diante de meus olhos, lições de vida, de gratuidade, de doação sem limite, que traduzem a essência da vida.
Luisa Garbazza

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Diferentes e iguais


        Segunda-feira, 14 de maio de 2012.
      Saio bem cedinho, juntamente com meu filho, para participarmos da Santa Missa. É o aniversário do pároco, padre Mundinho. Muitos amigos estavam ali para lhe prestar uma homenagem. Presença, mensagem, preces, abraços.
       Mas, o que mais me chamou a atenção e continuou em minha mente por todo o dia, foi o refrão do Salmo:
        "O Senhor fez o indigente assentar-se com os nobres."
      Vivemos em um mundo tão competitivo, onde todos querem ser o melhor em alguma coisa. E por trás desse "o melhor", vem a indiferença, o preconceito, a discriminação. A sociedade vai formando os padrões e dividindo as pessoas. São os mais ricos, os mais bonitos, os mais inteligentes, os mais espertos. E quem não acompanha as tendências, por simplicidade ou falta de recursos, são postos às margens da sociedade e deixados de lado.
     Pobres de nós. Quem somos para rotular o outro? Para tratá-lo como inferior? Para induzi-lo a se achar menos capaz? Não somos ninguém. Perante Deus, somos todos iguais, não importam as diferenças, físicas ou sociais, que possuímos. Deus não faz distinção. Pelo contrário, o mais infeliz dos viventes, pelo julgamento dos homens, pode ser o mais importante perante Deus, pois só Ele pode julgar o que trazemos no coração.
      De que adianta ser o mais rico, se isso não me aproximar de Deus?
      De que adianta ser o mais belo, se eu não me colocar a serviço do outro?
      De que adianta ser o mais inteligente, se não consigo ajudar ninguém?
      De que adianta ser o mais esperto, se não posso resolver a dor do próximo?
     Quando paramos para pensar na preferência de Deus pelos puros de coração, olhamos o outro com mais amor e mais humanidade. Tomamos consciência de que não seremos preferidos de Deus pelo que temos e aparentamos, mas sim pelo que somos e sentimos. Assim, aquele que imaginamos ser o mais infeliz, pode estar nos braços de Deus e merecer todo nosso respeito.
   Todo nosso esforço deve ser, portanto, por uma vida mais simples, por um relacionamento mais humanizado com todos de nosso convívio. Ver no outro a presença de Deus, que espera que amemos como Ele mesmo nos amou. Olhar o outro com os olhos do amor e ver somente o bem de cada um.  Assim, com certeza, estaremos fazendo a vontade de Deus e plantando seu reino aqui na terra.
      "Levanta da poeira o indigente e do lixo ele retira o pobrezinho, 
     para fazê-lo assentar-se com os nobres, assentar-se com os nobres do seu povo."
                                                                                                                                              Sl 112)

                                                                                                                                Luisa Garbazza

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Sublime amor de mãe



Toda mãe, sem ressalva nem exceção, é digna de homenagem, gratidão, aplausos, orações e muitas bênçãos, pela sublime missão de gerar uma nova vida. Por isso é uma honra poder exaltar cada uma neste dia a elas dedicado.
Primeiramente, e de forma bem simples e pura, nossa homenagem é para aquela mãe que formou a primeira família cristã – Maria, “mãe de Deus e nossa, sem pecado concebida”. Mulher forte, fiel a Deus, que abraçou a humanidade inteira com seu sim, sua persistência, sua aceitação, sua cruz. Modelo de virtude. Nossa mãe do céu, companhia certa nos momentos de tristeza e de alegria, de desânimo e de fé, de fraqueza e de força. Nossa representante perante o Salvador: “Pede à mãe que o filho atende.”
Nossa gratidão às mães gestantes, reféns da ansiedade que faz com que esses nove meses sejam os mais longos da vida e, ao mesmo tempo, os mais sublimes. Vivem a magia que acontece dia após dia, desde a fecundação até o momento de dar à luz. Futuras mães, cheias de sonhos, com um coração enorme preparado para se desmanchar em alegrias e afetos quando admirar seu filho pela primeira vez.
Uma homenagem sincera a todas as mães que batalham incessantemente para acompanhar o desenvolvimento – mental, físico e espiritual – e a educação dos filhos. Mães guerreiras que enfrentam obstáculos, destroem barreiras, movem céus e terra, doam a vida, esquecendo-se de si mesmas, para que o filho possa crescer, se desenvolver e construir sua personalidade. Cada passo do filho, cada degrau vencido, cada vitória conseguida são sentidos com intensidade tamanha que transborda do coração pelos olhos, pelo sorriso e pelas palavras escolhidas para exteriorizar tais emoções. São lutas e alegrias que perduram por uma vida inteira.
Gratidão especial às mães de filhos distantes – por um motivo ou outro. Partiu o filho, partiu também o coração que, incompleto, não encontra espaço para tanto amor e vive se derramando em lágrimas de saudades. Cada lugar da casa, cada objeto, o prato preferido, as conversas, tudo lembra o filho querido. Ausência sofrida, apesar da alegria intensa de sabê-lo bem e do orgulho sentido ao vê-lo crescendo, conquistando espaços, progredindo.
Nossa solidariedade às mães desprezadas. Tamanho amor, que se formou ao longo de tanto tempo, não foi suficiente para mostrar ao filho que ele é o bem maior de sua existência. Tanto carinho dispensado dia a dia não foi o bastante para sustentar os laços mágicos e sagrados que unem mãe e filho. Os braços ficam abertos sem ter a quem abraçar. O amor sufoca o peito e os laços cortados provocam lamentos e choro confirmando a dor da ausência...
Nossa homenagem e solidariedade àquelas mães que se despediram do filho, devolvendo-o a Deus. Que dor imensa! Que lacuna desmedida! Filho é insubstituível. O amor permanece. A falta aperta o coração e amarga a vida.
Nossas orações pelas mães que abandonaram os filhos. Apesar de não assumirem a missão, também são mães. Quem sabe a vida, com suas circunstâncias adversas, traçou esse caminho obscuro. Ou, talvez, o amor não foi suficiente para se dividir e receber nos braços uma parte do coração que começou a bater no peito de outra pessoa.
Nossa homenagem e nosso carinho para as mães idosas, que dedicaram a vida pelos filhos e hoje já não têm força suficiente para continuar a batalha da vida. Elas, que como São Paulo, “combateram o bom combate”, fazem jus ao reconhecimento, à gratidão, à presença amiga, à assistência constante e ao amor daqueles que gerou. 
Tomara que, neste dia especial, todas as mães possam sentir a verdadeira alegria por ter-se esvaziado e se preparado para receber os filhos que Deus lhes concedeu. Alegrar-se com a certeza de que, independente da realidade vivida, os filhos são dádivas de Deus e a Ele pertence. E que Maria abrace todas as mães e dispense a cada uma as graças necessárias para bem viver essa sublime história de amor.
Parabéns a você, mamãe.
Luisa Garbazza

Crônica publicada originalmente no 
Informativo Igreja Viva 
da Paróquia Nossa Senhora do Rosário - mês de maio.

domingo, 6 de maio de 2012

Bom Despacho centenária


 Minha amada Bom Despacho, cidade hospitaleira, está se tornando centenária. Quanto tempo passado! Quantas pessoas fizeram parte de sua história! E quantas histórias nesses cem anos de emancipação! Os holofotes estão todos voltados para seus encantos, seus filhos ilustres – ou nem tanto, seu desenvolvimento e seu futuro. São encontros, visitas importantes, livros de reminiscências, coletâneas de fotos significativas, projetos para um amanhã mais promissor... Muitos querem deixar sua marca nesse acontecimento tão festejado.
Nos guardados de minha memória, a cidade de minha infância volta à tona em alguns costumes, fatos notáveis e personagens populares. Morava em um sítio no entorno urbano e, em minha pequenez, quando andava por suas praças e ruas, a cidade se agigantava e me fascinava.
Minha primeira lembrança é da imponente Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bom Despacho – maior cartão-postal da cidade – templo católico que ainda deslumbra os que o veem pela primeira vez. Desde muito cedo minha mãe nos conduzia, meus irmãos e eu, aos domingos, para louvar a Deus participando da Santa Missa, devoção que me acompanhou pela vida e permanece.
Como sempre tivemos, os tipos populares que aqui viviam na época de minha infância foram bem marcantes, ora provocando risos, ora causando medo ou tristeza. O mais famoso era o “Romeu das latinhas”, que andava com umas roupas estranhas e, nunca soube por que, sempre carregava latinhas consigo. Havia o “João Sapato” que ficava repetindo o próprio nome – pra falar a verdade eu não entendia nada do que ele dizia. A “piriguete” da atualidade estava presente na pessoa da “Futrica”, que sempre andava com umas roupas excêntricas e usava muita maquiagem. Outra que conheci e que me causava medo era uma senhora mais velha que morava em um casebre no início da subida da Rua Cruz do Monte. Usava umas roupas estranhas, tinha a casa cheia de gatos – dizem que ela os comia – e era por nós chamada de “Sá Dona daqui”. Nunca soubemos seu nome. Ainda havia outros, porém não deixaram marcas.
Nós bom-despachenses sempre lembramos os filhos dignos que aqui viveram: médicos, padres, militares, políticos, professores e tantos outros. O cidadão mais ilustre que minha mente infantil arquivou foi o médico Dr. Roberto de Melo Queiroz. Meus pais trabalharam na fazenda dele e convidaram-no, juntamente com sua esposa, Dona Joesse – que não conheci – para batizar meu irmão. Por muitos anos eles foram nossos “anjos da guarda”. Lembro-me de algumas ocasiões – outras sei por relatos de minha mãe – que fomos atendidos por ele e medicados em seu consultório ou em sua casa, sem cobrança de honorários, pois nossa situação financeira era precária. Merece minha homenagem e gratidão.
Igualmente, lembro-me meus primeiros passos na essência para uma vida honrada – a educação. Iniciei meus estudos na Escola Estadual Martinho Fidélis que na época funcionava em um velho casarão localizado em plena Praça da Matriz, ao lado do Escritório Paroquial, onde hoje funcionam várias lojas, como a Livraria Roda-Viva. Sempre fui amiga das letras. Meu primeiro dia de aula foi inesquecível. Minha primeira professora – Dona Zélia Diniz – também. O primeiro grande acontecimento de minha vida estudantil foi uma excursão à Praça da Estação. Naquela época havia a Estação Ferroviária. E ainda havia trens que enchiam nossos olhos curiosos.
Um fato curioso da cultura da época que às vezes relembro era o modo como publicavam as notas de falecimento. Imprimiam, em folhas brancas, os dados necessários sobre o ocorrido e alguém as distribuía de casa em casa. Se não tivesse ninguém a folha era deixada na porta. Colocavam também nos comércios. Quando voltava da escola e havia falecido alguém, gostava de levar o panfleto para minha mãe e ver se ela conhecia a pessoa. 
Guardo também, com orgulho, lembranças da construção da atual Praça da Matriz. Projeto esplêndido. Algumas vezes parei para observar o árduo trabalho dos operários – meu irmão, inclusive – ao colocar as pequenas pedrinhas que formam o piso da praça. Aqueles mosaicos montados com a mistura de pedras brancas e escuras provocam um efeito artístico muito interessante. Participei de muitas brincadeiras naqueles “caminhos”.
Contudo, o que marcou de forma primorosa, não só minha infância, mas também a adolescência, foi o Cine Regina. Majestoso, enorme, gerador de fantasias e sonhos. No início, as matinês, que enriqueciam as tardes de domingo. Depois, as sessões noturnas com filmes variados que ora me deixava emocionada, ora agitada, outras vezes com medo ou enternecida. Tornou-se companhia inseparável e por vários anos proporcionou-me noites de imaginação e alegria. Faz muita falta.
Muitos anos se passaram. Outros acontecimentos, outras pessoas se destacando, mais progresso... Mas essa época ficará sempre registrada em minha memória, pois marcou os primeiros ensaios de minha trajetória e acompanhou-me até me tornar uma cidadã consciente e agradecida à cidade que me acolheu e me viu crescer.
Parabéns, Bom Despacho! Tomara que você se torne cada vez mais hospitaleira, humanizada e protegida pelo manto sagrado de Nossa Senhora do Bom Despacho, sua padroeira. 

Luisa Garbazza - 06 de maio de 2012

Crônica publicada originalmente no Jornal "Paróquia", da Paráquia Nossa Senhora do Bom Despacho, no mês de maio.
Minha homenagem ao centenário de nossa querida Bom Despacho.